Apesar de redução da taxa básica, a Selic, brasileiros pagaram de juros 82 vezes o valor dos jogadores da seleção. Para Contraf-CUT, setor financeiro aumenta desigualdades. “Austeridade” amplia crise, diz Dieese
Em 2017, a população brasileira gastou R$ 354,8 bilhões com juros, segundo levantamento divulgado nesta quarta-feira (25) pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio). Segundo a entidade, o montante equivale a 82 vezes o valor dos jogadores da seleção brasileira.
Mesmo com as sucessivas reduções na Selic, a taxa básica da economia, os juros reais se mantêm como um dos mais altos do mundo, o que acaba por impedir a retomada do crescimento econômico. Para a presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Juvandia Moreira, “são os bancos agravando a já absurda desigualdade social no Brasil”.
O aumento real (acima da inflação) da despesa com juros foi de 17,9% em relação ao ano anterior. Esse montante representa 5,4% do Produto Interno Bruto (PIB) e 10,8% da renda anual das famílias. O valor supera gastos com educação no país, que giram em torno de 4,9% do PIB.
Quando se incluem os gastos das empresas, a despesa com juros representa uma despesa de R$ 475,6 bilhões no ano passado, alta de 11,8%. Para se ter ideia, observa a Fecomercio, os custos das obras da Olimpíada do Rio de Janeiro em 2016, totalizaram R$ 41 bilhões.
O fato de os juros reais praticados pelos bancos não acompanharem a taxa básica fixada pelo Banco Central são reforçados pelo estudo. “Apesar do ciclo de reduções contínuas na taxa Selic no decorrer de 2017, os juros médios cobrados das pessoas físicas subiram 4,4%, passando de 64,9% em 2016 para 67,8%”, afirma a entidade. Atualmente, a taxas Selic está em 6,5% ao ano – ainda uma das mais altas taxas reais do mundo, de três a quatro pontos percentuais acima da inflação.
Para o supervisor do escritório regional do Dieese em São Paulo, Victor Pagani, independentemente dos cortes na Selic, a redução dos juros não chegou ao consumidor final. “Cartão de crédito, cheque especial não tiveram redução na proporção e continuam estratosféricos, superam 200%. No estudo da Fecomercio, eles falam dos juros médios, dos juros efetivos, que são 10 vezes maiores do que a Selic. O principal fator responsável é que o setor financeiro é muito concentrado. Dá para dizer que é um oligopólio”, afirma.
“Não tem concorrência de fato entre os bancos e eles estabelecem o spread bancário, que é a diferença entre os custos de captação para eles e os juros que cobram dos consumidores, de forma muito alta. Eles falam da inadimplência, mas sabemos que a falta de concorrência efetiva permite que eles coloquem os juros nesses patamares”, acrescenta Pagani.
Entre as saídas, estaria o fortalecimento dos bancos públicos. “É uma possibilidade a utilização dos bancos públicos para estabelecer maior concorrência. Esse é um dos instrumentos que poderiam ser utilizados.”
Pagani defende alterações na condução da política econômica. “Como há um desequilíbrio fiscal no Estado, ele recorre ao mercado financeiro, criando o endividamento público e a rolagem da dívida. Para isso, emite títulos remunerados pela Selic. Com medidas de equilíbrio, teoricamente, a taxa de juros pode ser reduzida”, diz o economista. “Mas a questão é: que medidas serão essas? As políticas de austeridade, de cortes de investimentos, já são aplicadas há mais de dois anos, desde 2015. E as contas públicas estão só se deteriorando, ao contrário do que era prometido. Então, quanto mais corta, mais cai a arrecadação. Aumenta o desemprego, cai a renda e o Estado arrecada menos. Seria importante a retomada do investimento público.”
Para Juvandia Moreira, da Contraf-CUT, a condução da política econômica, que propicia a transferência de capital – do trabalhador para os bancos. “Bancos fazem isso também quando demitem milhares de bancários, agravando a crise no desemprego, que faz com que um em cada quatro brasileiros esteja à procura de emprego (…). Mais uma razão para os brasileiros analisarem bem em quem votarão nas eleições de outubro. Qualquer programa de governo sério tem que ter propostas para a redução dos absurdos juros cobrados no Brasil”, diz, ao defender o fortalecimento dos bancos públicos para forçar o setor privado a reduzir taxas.
Segundo a Fecomercio, as altas taxas cobradas e o elevado custo do crédito ao consumidor seguram a capacidade de compra da população. Ao mesmo tempo, o maior tomador de crédito no período foi o Estado, o que aponta para o crescimento da dívida pública. A elevação dos riscos, evidenciada por, entre outros fatores, instabilidades políticas e desequilíbrio fiscal do governo, faz com que o Estado pegue empréstimos com taxas altas, o que “colabora para a fixação de um piso elevado para as demais taxas disponíveis no mercado”.
O estudo, baseado em dados do Banco Central e do IBGE, ainda apontou que a taxa de inadimplência das famílias – um dos fatores que determina o custo do dinheiro emprestado pelos bancos – caiu de 6,1% para 5,3%, o que poderia indicar uma maior possibilidade da retomada do crédito, não fossem os juros altos. De acordo com dados da Sociedade de Proteção ao Crédito (SPC), a inadimplência é consideravelmente baixa em setores essenciais: 92,6% das pessoas, por exemplo, mantêm planos de saúde em dia. Mesmo assim, 40% da população acima de 18 anos está com algum atraso nos pagamentos de dívidas.
// Fonte: Rede Brasil Atual