Nova regra em vigor faz com que bancos adotem condições diferenciadas para consumidor atolado em dívidas.
Quem está atolado em dívidas precisa saber que estão em vigor novas regras de renegociação com as instituições financeiras. Tanto para quem já não consegue mais pagar seus compromissos como para os que mantêm pagamentos em dia, mas está com orçamento comprometido, os bancos têm de oferecer um acordo.
Embora sem muita divulgação, as novas orientações valem desde o dia 14 de março e foram elaboradas pelo próprio mercado. Devem ser seguidas pelas 18 instituições financeiras que fazem parte da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o que alcança 90% das operações de crédito no País.
Casos como de quem se atrapalhou com as finanças e ficou inadimplente após o desemprego, doença, morte, separação ou qualquer outro imprevisto mais sério também estão contemplados com tratamento diferenciado e terão prioridade de atendimento.
Não se trata de perdão de dívida, explica o diretor de Autorregulação da Febraban, Evandro Zuliani, mas de oferta de uma negociação em outras bases.
As opções, no âmbito da política de crédito de cada banco, poderão incluir parcelamento, liquidação antecipada, redução no valor da prestação com a cobrança de juros mais baixos, troca de modalidade de crédito e alongamento do prazo.
O que o normativo garante e padroniza é a obrigação e o formato de nova proposta, feita por bancos ou clientes, para tentar solucionar a situação. Zuliani destaca que a regra assegura que o cliente não é obrigado a aceitar a oferta que lhe é feita.
Por exemplo: a pessoa pode ter uma dívida no cartão de crédito e outra na compra de imóvel, e o banco lhe oferece uma renegociação global. “Se o cliente pretende quitar apenas o crédito imobiliário, o banco não pode recusar a proposta, tem de aceitar”.
Avanço. A possibilidade de renegociação para quem está com as parcelas em dia pode ser considerada um avanço. Até então, os bancos não aceitavam sequer falar em acordo com quem não atrasava o pagamento. “Esse é um dos principais ganhos, porque tem caráter preventivo”, avalia Zuliane.
Segundo ele, havia muitas queixas nos Procons sobre essa recusa, daí a decisão de incluir e tratar do tema. “Se a luz amarela acendeu, é preciso partir para o acordo, evitando a inadimplência.” Uma vez exposta a situação, o cliente que não está inadimplente pode pedir a revisão das condições e ser atendido pelo banco.
Também devem receber tratamento igual quem não consegue mais honrar compromissos, quaisquer que sejam os motivos: ter gastado mais do que ganha, ser consumidor compulsivo, ter tropeçado em algum momento com o desemprego ou, ainda, ter passado por situações como doenças e até mortes que levaram à inadimplência.
A expectativa é que, por terem sido elaboradas pelos próprios bancos, as novas regras sejam respeitadas. A iniciativa tem o reforço de supervisão da Febraban, que fará pesquisas com os bancos e mantém um canal direto com o consumidor final. No endereço www.conteaqui.org.br, o cliente poderá relatar o problema. Este será encaminhado à plataforma de resolução de conflitos, a consumidor.gov.br.
Acostumada a atender consumidores endividados, a economista Ione Amorim, do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), se diz cética em relação às mudanças e prefere aguardar resultados concretos para fazer uma avaliação. De todo modo, diz que o consumidor deve se valer dessas novas possibilidades como forma de pressionar os bancos e conseguir condições mais favoráveis.
Bancos. No Santander, o executivo Cássio Schmitt diz que serviço parecido com a normatização vem sendo desenvolvido há quatro ou cinco anos. A linha de orientação se baseia especialmente na capacidade de pagamento do cliente, mas outros fatores igualmente relevantes são considerados, como a avaliação da modalidade de crédito mais adequada para cada caso.
O Itaú informa que, hoje, os funcionários de agências e centrais de atendimento estão capacitados para entender a situação do cliente e buscar uma condição que caiba no bolso dele, seja com planos de parcelamento ou até pagamentos à vista.
Renegociação. Se por um lado o consumidor precisa ter rédeas curtas na administração do orçamento para o equilíbrio de suas contas, de outro os bancos devem se valer das novas regras, de modo a contribuir concretamente para a normalização da situação de seus clientes. Na prática, nem sempre é simples chegar a um acordo, mas não interessa nem ao banco, nem ao consumidor, nem à sociedade que a economia trave por conta do alto endividamento.
O caso do professor universitário Rubens Adorno ilustra bem as barreiras para se encontrar soluções. Por quatro anos ele tenta uma renegociação com quatro bancos: Caixa, Banco do Brasil, Citi e Santander. Mesmo com a assessoria e intermediação de institutos especializados, diz enfrentar dificuldades para chegar a um acordo. Recentemente ele conseguiu uma reestruturação no Santander e no Citi, mas está tendo sua dívida executada na Caixa e a pressão do BB para a liquidação de um consignado.
O total de sua dívida chegou a bater em R$ 600 mil, cujas prestações comprometiam 120% de sua renda. Atualmente, esse nível de comprometimento está em 70%. “Você vai se desesperando. Toda noite perco o sono, pensando em tudo o que pode acontecer, e se me mandarem uma carta, uma intimação?”, diz Adorno.
O professor afirma ter “total interesse em resolver a situação”, mas esbarra na rigidez do sistema. Sua torcida é para que o normativo seja de fato seguido para trazer mais flexibilidade, evitar ou resolver seu caso.
Adorno diz que nunca se dirigiu a um banco para levantar empréstimo. As ofertas chegaram até ele, por telefone. Sem critérios na escolha de crédito, ele foi trocando um pelo outro, nas mais diferentes modalidades, fazendo seguros e aceitando produtos. “E tudo apenas para a cobertura do rombo financeiro, sem aquisição de bens ou o uso do dinheiro para ter uma vida mais confortável.”
// Fonte: Força Sindical