Crescimento, precarização e desigualdade em 2017

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O Brasil cresceu pouco e a vida dos mais pobres piorou. O índice de Gini, que mede a desigualdade, aumentou e sumiram milhares de empregos formais

Na recente divulgação das Contas Nacionais Trimestrais, chama a atenção o desempenho da atividade econômica no Brasil, que deu sinais de vitalidade, com uma taxa de crescimento do PIB de 2,1% no último trimestre de 2017, na comparação com igual período de 2016.

Esta taxa pode ser decomposta em contribuições positivas, nesta ordem de importância, do consumo das famílias, que cresceu 2,6%, das exportações, com taxa de crescimento de 9,1%, e mesmo da formação bruta de capital fixo, cujo crescimento de 3,8% denota reversão de uma trajetória de queda iniciada no segundo trimestre de 2014.

Se tomássemos o ano como um todo, a pintura não seria tão positiva, mas, ainda assim, poder-se-ia apontar um crescimento de 1%, tanto para o PIB quanto para o consumo das famílias.

Quanto ao mercado de trabalho, a julgar-se pela taxa de desocupação, estaríamos, de acordo com o IBGE, numa situação de estabilidade, com 11,8% neste quarto trimestre de 2017, ante 12% no fechamento de 2016.

A partir dos mesmos dados utilizados para o cálculo da taxa de desocupação, oriundos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), igual crescimento de 2,1% poderia ser observado no total de ocupados, sempre na comparação entre os últimos trimestres dos dois últimos anos, o que significa a entrada de 1,8 milhão de indivíduos no universo dos ocupados.

Enganosa, contudo, é a impressão causada por tal crescimento, ao constatarmos uma queda de mais de 680 mil ocupações entre os empregados no setor privado com carteira de trabalho assinada, concomitantemente ao crescimento de quase 600 mil ocupações para empregados no setor privado sem carteira de trabalho assinada.

Difícil não recorrermos de imediato a um termo para resumir esse comportamento: precarização. Quando se soma a isso o aumento de mais de um milhão de ocupações para trabalhadores por conta própria, o retrato fica ainda mais nítido – nunca é demais lembrar que a categoria conta própria no Brasil ganha sistematicamente menos que os trabalhadores empregados no setor privado, aproximadamente 25% a menos que a média para o conjunto dos empregados no setor privado neste último trimestre de 2017.

Completam o quadro o aumento das ocupações para trabalhadores familiares auxiliares (116 mil) e para trabalhadores domésticos sem carteira assinada (332 mil), sendo que esse último grupamento, apesar do saldo positivo, também apresenta queda (–70 mil) nas ocupações com carteira.

Observa-se ainda um aumento de ocupações para o setor público em geral (222 mil), já incluindo militares e estatutários, para os quais há tendência de queda nas ocupações. Finalmente, aumento de mais de 263 mil ocupações entre os empregadores. Assim, poderia ser encarada com menos surpresa a elevação da desigualdade de rendimentos neste fechamento de ano, para a qual nos voltaremos a partir de agora.

Como apontavam os resultados já adiantados em análise realizada com dados até o primeiro semestre de 2017, utilizando a própria PNADC, a desigualdade passou a crescer desde o fim de 2015, sem sinais de reversão até o fechamento de 2017. O índice de Gini calculado para a Renda Domiciliar Per Capita (RDPC), a exemplo do observado em todos os outros trimestres do ano, foi o maior para iguais trimestres desde o início da divulgação da pesquisa, passando de 0,5659 no quarto trimestre de 2016 para 0,5697 neste último trimestre de 2017.

O crescimento da atividade econômica parece, portanto, ter sido suficiente para um crescimento mais expressivo da renda dos relativamente pobres (3,1%), mas não o bastante para suplantar o crescimento da renda dos mais ricos (3,9%). O ritmo do crescimento da desigualdade foi, no entanto, inferior ao observado nos três primeiros trimestres do ano, possivelmente refletindo tal incremento no nível de atividade.

Para acumulados em quatro trimestres, entretanto, 2017 apresentou um aumento da desigualdade superior ao observado no ano anterior: 1,64% de crescimento do índice de Gini contra 0,99% observado em 2016.

Se levarmos em conta que os dados trimestrais da PNADC nos permitem tratar somente da desigualdade de mercado (metodologia utilizada e tabelas completas podem ser acessadas aqui) – do rendimento mensal efetivo de todos os trabalhos, na terminologia do IBGE, abrangendo empregados, trabalhadores por conta própria e empregadores –, em oposição à desigualdade sobre os rendimentos disponíveis pós-transferências, não é ocioso notar que tal trajetória observada de aumento da desigualdade seria ainda mais acentuada caso estivéssemos captando uma redução nas transferências de assistência e previdência social para as camadas mais vulneráveis da população.

 

Por Fabrício Pitombo Leite / Carta Capital