O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) está perdendo espaço na gestão dos programas e das verbas oficiais para qualificação profissional e essa função está ficando cada vez mais sob responsabilidade do Ministério da Educação (MEC). Até 2009, os gastos do MEC e do Trabalho nessa área eram semelhantes.
Em 2007, por exemplo, a pasta do Trabalho executou R$ 71 milhões com programas de qualificação, de acordo com o portal Transparência. No período, o MEC desembolsou R$ 63,9 milhões.A partir de 2010, porém, esses valores começaram a se descolar. Em 2011, ano em que o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) entrou em vigor, o MEC registrou R$ 463,2 milhões em gastos com qualificação profissional, contra R$ 75 milhões da pasta do Trabalho. Este ano, o MTE registrou até setembro um único repasse, de R$ 24 mil, para a prefeitura de Mauá (SP), segundo dados do Portal da Transparência. Os gastos do Ministério da Educação, por sua vez, já chegam a R$ 1,3 bilhão no período, segundo a mesma fonte. Entre 2007 e 2012, o valor dos repasses do Trabalho diminuiu em 66%.
Nenhuma das pastas comenta a mudança e tampouco a relaciona às frequentes denúncias de desvio de recursos repassados pelo Ministério do Trabalho em programas de qualificação. A mais recente delas, a Operação Esopo, foi deflagrada em setembro, mas se refere a uma investigação iniciada em 2011 que apurou fraudes em licitações e convênios firmados pela pasta com organizações não governamentais (ONGs) e organizações da sociedade civil de interesse público (Oscip). Essa investigação resultou no afastamento do então secretário-executivo do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Paulo Roberto Pinto.
O presidente do Fórum Nacional de Secretarias de Trabalho (Fonset), Luiz Cláudio Romanelli (PMDB-PR), afirma que a mudança foi uma decisão do Executivo. O Pronatec, diz, foi idealizado para centralizar os esforços federais com qualificação profissional. Segundo ele, as iniciativas nesse âmbito, que ainda continuam sob o guarda-chuva do Ministério do Trabalho, serão extintas até o fim do ano. O ProJovem será incorporado ao Pronatec e o Plano Territorial de Qualificação (Planteq) deixará de existir.
“A área de qualificação é extremamente problemática no Ministério do Trabalho”, afirma o assessor legislativo do Senado Fernando Bittencourt, “porque é basicamente terceirizada por convênios com todo tipo de entidades, capazes e não capazes, idôneas e não idôneas”. O ministério, diz, não tem uma estrutura de treinamento, quer direta quer como coordenação de órgãos estaduais. “Há literalmente centenas de tomadas de contas especiais já julgadas pelo TCU [Tribunal de Contas da União] sobre isso”, completa.
A Tomada de Conta Especial (TCE) é um processo administrativo instaurado para apurar possíveis desvios e fraudes na gestão pública federal. Já o Ministério da Educação gerencia a execução dos programas basicamente através da rede federal de educação tecnológica, dos sistemas estaduais de ensino e das parcerias com as instituições do Sistema S, como Senac e Senai, esse último um dos principais executores do Pronatec.
Bittencourt trabalhou na formulação do Projeto de Lei 101, apresentado em 26 de março pelo senador Pedro Taques (PDT-MT), para criar critérios mínimos de controle de regularidade da execução de programas de qualificação profissional. “Não resolve o problema da qualidade dos programas, que seriam mais adequadamente executados por instituições educacionais do ramo do treinamento ofertado, mas tenta tapar alguns dos buracos que têm permitido fraudes generalizadas.”
O secretário nacional de Formação da Central Única de Trabalhadores (CUT), José Celestino Lourenço, diz que a entidade vê a proposta do Pronatec como positiva, mas discorda de sua implementação. Segundo ele, o movimento sindical não foi convidado a participar da elaboração dos currículos dos cursos técnicos, formulados para atender “necessidades imediatas do mercado”.
Além disso, afirma Lourenço, o MEC tem atuado de maneira isolada, sem dialogar com outros ministérios. Essa postura se reflete no acompanhamento estatístico do Pronatec – não há, por exemplo, números que indiquem o nível de empregabilidade do programa, já que a pasta da Educação acredita que essa seja uma atribuição do Trabalho, e vice-versa.
De acordo com Romanelli, a integração entre Educação e Trabalho é dificultada ainda por problemas de ordem técnica. Eles usam sistemas computacionais diferentes – Sis Tec e Mais Emprego, respectivamente – e, por isso, não conseguem acompanhar as atividades um do outro, ainda que sejam complementares. O Ministério do Trabalho não consegue inscrever um beneficiário do seguro-desemprego em um curso do Pronatec, por exemplo, e o Ministério da Educação, por sua vez, não consegue saber se esse aluno conseguiu se recolocar no mercado de trabalho.
Quintino Marques Severo, presidente do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat), afirma que a “transferência” dos programas de qualificação para o MEC tem contribuído para esvaziar as pautas e funções do Ministério do Trabalho. “A pasta não pode se restringir a emitir registro sindical. Ela deve mediar conflitos entre empresas e trabalhadores, fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista e contribuir para a formulação das políticas de emprego e renda”, afirma.
Um dos esforços do MTE nesse sentido é a reformulação do Sistema Nacional de Emprego (Sine) anunciada pelo ministro Manoel Dias no começo do mês. Hoje com baixa taxa de preenchimento de vagas – por falta de metodologia e de investimentos, segundo Severo -, ele virará um sistema único nacional e “protagonista” da política de intermediação de mão de obra no país, de acordo com a nota de divulgação do ministério. Procurado, o Ministério do Trabalho e Emprego não se manifestou. O Ministério da Educação disse que não comentaria o assunto.
Fonte: Força Sindical