Além de ser réu em processos de corrupção, eventual campanha do senador terá de enfrentar a fúria dos que tiveram suas economias surrupiadas pelo plano econômico que levou seu nome
Quem conhece Fernando Collor (PTC-AL), desde que se candidatou a presidente, em 1989, faz tempo que não se impressiona com sua atuação e seus discursos .Mas quem não o conhece ou era jovem demais pra se recordar com clareza, talvez até se impressione com sua “performance”, que pode até render alguns votos, já que vivemos um momento na política em que as pessoas estão contaminadas pelo rancor e pelo revanchismo e querem “ver sangue”, insufladas pela mídia tradicional e por representantes dos partidos, sobretudo os que apoiaram o golpe que levou Michel Temer ao poder (DEM, PSDB, MDB, PP, PTB e vários nanicos).
Como político, Collor sempre foi excelente ator. Capaz de demonstrar fúria, cerrar punhos e dentes e bufar ofegante, ainda hoje adota uma oratória agressiva e carregada, nos seus discursos na tribuna do senado, sem a menor dificuldade. Nem vergonha.
O senador segue agora tentando comprovar é sua astúcia política.
Até recentemente tudo indicava em seus discursos que seu plano era candidatar-se ao governo de Alagoas, já que não tinha nada a perder, pois está em seu segundo mandato como senador, que termina apenas em 2023. Mas na semana passada, para supresa de muitos, Collor mostrou que projeta voos mais altos e que está à procura de reabilitar-se em nível nacional.
Aos que não sabem: o senador alagoano renunciou à Presidência da República para fugir de um processo de impeachment, em 1992, depois de ver seu governo no centro de uma série devastadora de denúncias de corrupção. Pouco adiantou: o Congresso prosseguiu com o processo contra ele, que foi condenado e teve seus direitos políticos suspensos pelos oito anos seguintes. A sentença foi confirmada pelo STF. Em julgamento posterior, em 2014, o ex-presidente foi inocentado pelo mesmo STF dos crimes de falsidade ideológica, corrupção passiva e peculato. Os ministros do tribunal concluíram que não havia provas suficientes para comprovar seu envolvimento nos crimes em que foi acusado.
Vislumbrando agora, 25 anos depois, uma oportunidade de voltar ao Palácio do Planalto, Fernando Collor de Mello anunciou sua candidatura à Presidência. Aparentemente, mesmo que seja para perder. Nos bastidores do Senado tem quem diga que a candidatura é parte de uma estratégia para ajudar seu partido, minúsculo e atingido pelas regras que restringem o acesso ao Fundo Partidário e à propaganda gratuita no rádio e na TV. De quebra – e aí pode estar a carta que vai na manga – postular ao cargo máximo deve servir para “limpar seu nome na praça”, ficando o ex-presidente competitivo para 2022. Por enquanto, seus primeiros discursos como candidato a candidato se prendem ao que seria, para o próprio, uma vantagem em relação aos outros concorrentes, à exceção de Lula: “já presidi o país”.
Mas, caso esteja mesmo sonhando em voltar ao Palácio do Planalto, Collor dependerá de muito cálculo político, de uma vasta gama de alianças e, obviamente, de quais serão os demais candidatos. Entre uma candidatura nacional como figurante pífio, e uma eleição com alguma margem de certeza ao governo de Alagoas, poderia ter preferido a segunda.
É possível, porém, que o senador esteja pensando em ser uma “terceira via”, uma candidatura presidencial apresentando-se como alternativa, à direita e “propositiva”, principalmente caso venha a se confirmar que nomes como o de Luciano Huck forem lançados para a corrida eleitoral. Tudo isso, claro, com discurso de ferrenha oposição ao PT, bem ao gosto de paneleiros e de segmentos conservadores, como a nossa classe média, por exemplo.
Pesam contra si, além de já ter perdido o cargo de presidente da forma como perdeu, o “recall” de casos como o escândalo do “esquema PC Farias”, revelado pelo irmão de Fernando, Pedro Collo de Melo, que envolveu cifras públicas na casa do US$ 1 bilhão e teria como beneficiários integrantes do alto escalão do governo federal.
E há de se contar também, com a antipatia de uma boa parcela da população que ainda se lembra dos primeiros dias de seu governo, iniciado em janeiro de 1990, quando lançou um mirabolante plano econômico, que simplesmente confiscou parte das contas correntes e poupanças que excedessem 50 mil cruzeiros (a moeda corrente da época, que antecedeu o real). Na memória de muita gente ainda estão claras as dificuldades criadas pela medida, para empresas pagarem os salários de seus funcionários, por exemplo. A medida, ao contrário de sanar os problemas da economia, por pouco não levou o país ao colapso.
Voltando aos dias de hoje, o ex-governador de Alagoas, que se elegeu com o slogan “caçador de marajás”, atualmente é réu em um processo, além de ter seu nome em outros seis, em andamento no STF, por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Collor é acusado de receber mais de R$ 30 milhões por “negócio” da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras.
Enfim, Collor sabe que, sendo candidato, os adversários e a imprensa irão rememorar todos os escândalos de seu governo. É aguardar para ver se, com tanta coisa em seu passado para ser “lembrada”, o senador vai conseguir emocionar os brasileiros com seus discursos inflamados. Ainda que conte com a consagrada memória histórica dos brasileiros, sempre curta e seletiva, será “muita zebra” se Collor ganhar a eleição.