Ministério Público volta a investigar trabalho escravo na Fazenda Brasil Verde

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Na década de 1990, Fazenda Brasil Verde recebeu 128 trabalhadores submetidos a condições degradantes de trabalho e impedidos de deixar o local.

EBC

O Ministério Público Federal irá atuar na retomada da investigação sobre trabalho escravo na Fazenda Brasil Verde, no sul do Pará. A ação é uma resposta à determinação de medidas impostas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) ao Estado brasileiro.

Em palestra no King’s College, em Londres (Reino Unido), nesta quarta-feira (24), a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, anunciou a criação de uma força-tarefa com quatro procuradores para coletar provas e ouvir testemunhas.

A Fazenda Brasil Verde, no sul do Pará, recebeu, na década de 1990, 128 trabalhadores rurais. Eles foram submetidos a condições degradantes de trabalho, com jornadas exaustivas, e eram impedidos de deixar a fazenda em razão de dívidas contraídas.

Serão ouvidas cerca de 50 vítimas em 11 estados submetidas a condições degradantes na fazenda. A Secretaria de Cooperação Internacional irá auxiliar no compartilhamento de documentos de vítimas já ouvidas pela CIDH.

Condenação internacional

Em 2000, as práticas abusivas foram denunciadas a autoridades brasileiras após dois trabalhadores conseguiram fugir da Fazenda Brasil Verde. As violações eram comuns há mais de uma década no local, segundo as investigações.

Ao denunciar o Estado brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos por omissão, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) afirmaram que as violações ocorriam desde 1989.

Em março de 2000, uma fiscalização do Ministério do Trabalho resgatou 80 pessoas. Outras fiscalizações realizadas anteriormente, em 1993, 1996 e 1997 já haviam constatado a prática.

Na época, foi aberto um processo penal, mas ele acabou sendo extraviado. Ninguém foi punido e nenhuma das 128 vítimas resgatadas foram indenizadas.

Em outubro de 2016, a CIDH condenou o Estado Brasileiro por não ter adotado medidas efetivas para impedir a submissão de seres humanos a esse tipo de prática. A comissão determinou a reabertura das investigações.

Após a determinação internacional, a Procuradoria da República do Município de Redenção (PA) instaurou, em março de 2017, um procedimento investigatório criminal para retomar a apuração.

O procurador da República titular do caso, Igor da Silva Spindola, pediu a criação de uma força-tarefa para auxiliar nos trabalhos. A portaria que criou o grupo foi assinada por Dodge em dezembro.

Trabalho escravo no Brasil

O debate sobre o combate ao trabalho escravo no Brasil voltou à tona em 2016 após ações do Ministério do Trabalho e da bancada ruralista.

Em outubro, o então ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, editou uma portaria que limitou a definição de condições análogas ao trabalho escravo. O documento exigia que, para ser considerada uma violação, o trabalhador teria de estar “sob ameaça de punição, com uso de coação, realizado de maneira involuntária”, além do cerceamento da liberdade.

A portaria também estabelecia que a lista suja do trabalho escravo só seria divulgada com aval do ministro do Trabalho. Empresas na lista têm restrição de crédito e da própria atividade comercial e o mecanismo é considerado um dos mais emblemáticos e eficazes no combate à escravidão contemporânea.

Em ação de improbidade administrativa contra Nogueira, o Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF/DF) afirma que a finalidade da portaria foi atender os interesses da bancada ruralista do Congresso Nacional, de forma a influenciá-los na votação da denúncia contra o presidente Michel Temer e os ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e Eliseu Padilha (Casa Civil).

Os procuradores também destacaram a contenção das atividades do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) e da fiscalização do trabalha, a negativa de publicidade da lista suja do trabalho escravo e esvaziamento das discussões da Conatrae (Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo).

Escravidão moderna

Na palestra em Londres, Dodge afirmou que “a escravidão moderna no Brasil é a nódoa mais marcante decorrente daquela escravidão legalizada durante o Império”. De acordo com ela, nas 712 inspeções em propriedades rurais, de 1993 a 2004, foram registrados 142 casos de escravidão moderna, com 7.763 vítimas sob a modalidade de servidão por dívida.

A procuradora ressaltou que o trabalho escravo pode ser caracterizado mesmo se não houver coerção física ou psicológica, como vigilância armada ou confinamento.

Para Raquel Dodge, a escravidão também ocorre quando há humilhação contínua, como tratamento inferior ao garantido aos animais, restrição ao uso de água potável, entrega de alimentos deteriorados ou em quantidades insuficientes.

Fonte: Huffpost