“Reforma trabalhista joga contra qualquer projeto de desenvolvimento”

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Para Dari Krein, professor da Unicamp, reforma tem o objetivo exclusivo de atender as empresas e ignora a construção de uma sociedade decente

Agência Brasil

Estudioso das transformações do mundo do trabalho, José Dari Krein, professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho, é um forte crítico da reforma trabalhista que entrou em vigor  em 11 de novembro.

Para além da perda de direitos que fragiliza o emprego e o trabalhador, o conjunto de regras que modifica pelo menos 100 pontos da CLT e legaliza figuras como o trabalho intermitente e a jornada máxima de trabalho de 12 horas, a reforma compromete qualquer projeto de desenvolvimento econômico e social para o Brasil.

“Trata-se de um grupo de regras que tem pura e exclusivamente o objetivo de atender às necessidades empresariais de remanejar a força de trabalho de acordo com a necessidade do curto prazo. Isso ignora qualquer perspectiva de construção de uma sociedade civilizada e decente”, afirma.

Nesta entrevista para CartaCapital, Krein questiona também a busca do aumento da competitividade pelo uso do baixo salário. “Há um efeito perverso para a estruturação da vida social. O salário não pode ser considerado apenas despesa, ele também é receita. Perde-se a oportunidade de dinamizar o mercado interno e fica-se muito vulnerável à dinâmica da economia internacional”, afirma.

Krein defende, ainda, que tudo que está sendo feito nesse momento mais destrói as condições para pensar o futuro do que constrói alternativas para pensar o desenvolvimento.

Confira abaixo a íntegra da entrevista com José Dari Krein:

CartaCapital: A migração do emprego da indústria para o setor de serviços, dentro das condições de precarização que assistimos, pode transformar o Brasil em um fornecedor de mão de obra barata para países desenvolvidos, como ocorre com a Índia, por exemplo?

José Darin Krein: É difícil responder porque a questão da força de trabalho tem dois lados. Por um lado, há uma força de trabalho com custo extremamente baixo para atividades econômicas que são intensivas em mão de obra.

E mesmo com os salários menores depois da reforma trabalhista não há como competir. Por exemplo, em Bangladesh, na indústria de confecção, o salário médio é 40 dólares. A outra questão é ter uma força de trabalho extremamente qualificada que, não encontrando ocupações para o seu nível de qualificação, vai procurar emprego em outro lugar.

CC: Mas quando pensamos especificamente nos empregos no setor de serviços, telemarketing e TI, por exemplo, isso pode vir a acontecer?

JDK: Seria algo marginal. Em termos salariais diretos não há como concorrer com os custos da força de trabalho asiática. Pode haver um movimento em um ou outro setor. De qualquer forma, isso corroeria a demanda e o Brasil é um país com grande mercado interno. Isso afetaria a economia do mercado interno. E também é uma estratégia de competitividade espúria. Buscar a competitividade via baixo salários é algo que não dará condições para um processo de desenvolvimento do País

Portanto, não acredito que a reforma trabalhista possa determinar uma inserção melhor do Brasil no sentido de oferecer uma série de serviços. Até porque outros países estão fazendo a mesma opção. Na América Latina, vários países estão realizando reformas similares à nossa, e com salários mais baixos, o que tem a ver também com o que é admitido dentro da sociedade, um padrão mínimo de remuneração.

CC: Quais são as consequências desse emprego de pior qualidade, que reduz o poder aquisitivo do trabalhador, que impede a previsibilidade do trabalhador para o consumo, para o desenvolvimento econômico o País?

JDK: A reforma trabalhista não resolve os problemas econômicos do País. Porque a questão de elevar a inserção internacional exige a articulação de uma série de políticas e fatores que sejam capazes de proporcionar competitividade. A indústria alemã, por exemplo, é uma referência e o salário médio do trabalhador industrial alemão é três vezes maior que o do brasileiro. Mesmo assim eles têm competitividade.

CC: Quais seriam as políticas necessárias para a economia se desenvolver e criar empregos de melhor qualidade?

JDK: É o investimento em pesquisa, o fortalecimento dos centros desenvolvedores de tecnologia e uma articulação do Estado para que exista uma economia mais complexa do ponto de vista tecnológico e o Brasil se insira internacionalmente de outra forma que não pelo baixo salário.

Isso exige um certo acordo nacional em torno do que é estratégico ser desenvolvido no país e não simplesmente deixar que o mercado seja capaz de proporcionar um novo processo de desenvolvimento.

Exige política industrial, exige um cuidado para que o país não se desindustrialize, o que significa a combinação de políticas de desenvolvimento com políticas macroeconômicas, inclusive do ponto de vista do câmbio e da proteção social. É claro que isso é muito difícil, que depende da política. Porque a economia não é uma ciência exata, ela depende de uma série de fatores que sofre interferência a partir da ação dos agentes econômicos e dos atores sociais.

CC: Quando pensamos que, pelo menos no cenário atual, a via escolhida pelo governo é pró-mercado, quais são as consequências que podemos assistir nos próximos anos do ponto de vista do emprego e do poder aquisitivo dos trabalhadores?

JDK: Tudo que está sendo feito nesse momento é mais para destruir as condições de se pensar o futuro do que para construir qualquer alternativa para pensar o desenvolvimento. Combinar as restrições ao gasto público, as privatizações, as reformas sociais, especialmente a trabalhista e agora a previdenciária… Elas são só a destruição de direitos e não indicações de que será possível construir um futuro melhor.

Vejo com extremo pessimismo isso que está sendo feito porque simplesmente está destruindo direitos, destruindo proteção social, destruindo patrimônio nacional, sem construir nada no lugar.

CC: Num cenário de perda de proteção social, falta de segurança quanto ao emprego e redução da renda, como podemos avaliar a situação desse trabalhador tanto como indivíduo quanto como pertencente à classe trabalhadora?

JDK: É claro que em uma estrutura econômica baseada em baixos salários há também uma estrutura produtiva de pior qualidade, com uma estrutura de emprego de pior qualidade. Se houver a ideia de que dá para competir por baixos salários, obviamente vai se criar empregos pouco qualificados. Ao se criar esses empregos pouco qualificados, não adianta existir uma oferta de mão de obra mais qualificada porque a dinâmica econômica não vai permitir absorver essa força de trabalho. É um desperdício para o país.

O emprego de qualidade exige uma estrutura econômica complexa. Mesmo que ela não seja capaz de gerar o emprego direto, ela gera uma série de serviços que demanda empregos qualificados. Aqui, toda a aposta que se faz é para o emprego de baixa qualidade.

Claro que se tem uma polarização: de um lado algumas ocupações mais bem qualificadas, que serão demandadas, mas a grande maioria das ocupações – nesse sistema que está sendo construído – é de empregos de baixa qualidade e de pouca qualificação. Trabalhos rotineiros que a pessoa aprende a executar muito rapidamente.

É uma introdução ao taylorismo. Há todo um aparato tecnológico extremamente complexo, mas do ponto de vista da ocupação das pessoas é uma coisa taylorista, repetitiva e nada enriquecedora do ponto de vista da vida pessoal desses indivíduos.

Ao mesmo tempo, se coloca uma pressão muito grande sobre essas pessoas, que devem cumprir metas e são responsabilizadas pela situação em que se encontra o mercado de trabalho, que exige que ela se qualifique mais. É uma estrutura que não tende a gerar nada construtivo para o desenvolvimento do país e das potencialidade das pessoas.

É verdade que no setor de serviços, na área de saúde, na área de softwares, o emprego pode crescer um pouco pela dinâmica da economia. Mas, em geral, as ocupações que são criadas são muito ruins e não significam nada para as pessoas. Essa lógica é totalmente destrutiva do ponto de vista de se pensar um tecido social mais organizado.

CC: Mas a precarização também está presente em atividades que exigem qualificação, como saúde, educação e comunicação. Qualificação também não é garantia de um emprego de melhor qualidade…

JDK: Exatamente. O que essa reforma está indicando é isso: um contrato intermitente que pode deixar um trabalhador extremamente qualificado à disposição conforme as exigências da empresa.

Um ambiente com o desemprego elevado impõe uma concorrência brutal no mercado de trabalho. E as empresas agora têm um cardápio de possibilidades para gerir a força de trabalho de forma mais barata. Ou seja, elas irão ganhar em cima do trabalhador, pagando um salário menor ou contratando conforme a sua própria necessidade.

Não dá para pensar uma sociedade integrada e coesa com essas formas de exceção. No curto prazo as pessoas podem ir se adaptando, mas a longo prazo isso é um desastre para o País, para pensar qualquer perspectiva de construção da nação.

É um grupo de regras (a reforma trabalhista) que tem pura e exclusivamente o objetivo de atender às necessidades empresariais de remanejar a força de trabalho de acordo com a necessidade do curto prazo. Isso ignora qualquer perspectiva de construção de uma sociedade civilizada e decente. Isso está totalmente descartado. O que vale é o curto prazo, o quanto as empresas irão economizar para poder competir. Só que a concorrência sempre vai jogando para baixo. Então as empresas terão que baixar ainda mais os salários para poder concorrer e isso tem um efeito predatório sobre o tecido social.

CC: Essas alterações no mundo do trabalho não acabam sendo uma espécie de “tiro no pé”? Como a precarização do trabalho e da renda age sobre o consumo e sobre as perspectivas de recuperação da economia? 

JDK: A aposta é no curto prazo: se reduz custos, portanto é uma competição espúria, olhando por uma perspectiva micro, como uma forma da empresa ter um grau maior de competitividade por meio da redução do custo de produção pelo salário.

E é para isso que temos que chamar atenção, para o efeito perverso disso para a estruturação da vida social. No futuro, haverá uma enorme quantidade de pessoas inseridas de forma muito precária no mercado de trabalho. O salário não pode ser considerado apenas despesa, ele também é receita. Perde-se a oportunidade de dinamizar o mercado interno.

Numa economia que não tem um grau de abertura tão expressivo, fica-se muito vulnerável à dinâmica da economia internacional. Perde-se qualquer perspectiva de pensar um projeto de desenvolvimento nacional.

A reforma joga contra qualquer projeto de desenvolvimento. O trabalhador também se torna just in time e isso vai contra toda a lógica da construção de direitos. Porque os direitos foram construídos pensando que o trabalhador não pode ser considerado uma mercadoria descartável. Atrás de quem vende a força de trabalho há uma vida humana que precisa ser respeitada e ter a dignidade assegurada.

A reforma tem ainda um efeito muito desestruturador das fontes de financiamento da seguridade social, o que com certeza vai exigir outras reformas, já que a arrecadação previdenciária vai diminuir fortemente. E se a arrecadação previdenciária cai, o estado vai oferecer menos serviços de seguridade social. E como também vai diminuir a arrecadação geral, vai se oferecer menos serviços sociais. Então há um efeito desestruturador da sociedade e das políticas sociais também.

Fonte: Carta Capital