Ministério Público do Trabalho pediu esclarecimentos sobre a metodologia que reduziu em mais de um milhão o número de crianças e adolescentes que trabalham
O Ministério Público do Trabalho (MPT) solicitou ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que esclareça, em até 48 horas, as mudanças metodológicas aplicadas na última edição da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada na quarta-feira 29.
O principal questionamento se refere aos dados sobre crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. A atual pesquisa fala em cerca de 998 mil nesta condição em 2016, menos da metade do registrado em 2015, 2,6 milhões.
Por meio de ofício assinado pelo Procurador-Geral do Trabalho (PGT), Ronaldo Fleury, o MPT questionou modificações na metodologia que, segundo interpretação, gerou distorção dos resultados.
Para o MPT, a distorção está associada principalmente à retirada de algumas situações do enquadramento de trabalho infantil, como a “produção para próprio consumo” e a “construção para próprio uso”. Essas modalidades incluem as atividades exercidas por essas crianças dentro do ambiente familiar, na agricultura ou no auxílio nas atividades remuneradas dos pais ou responsáveis.
A Pnad Contínua, por exemplo, considera 20 milhões de crianças envolvidas com afazeres domésticos, mas também não as contabiliza no dado geral de trabalho infantil. Estas situações constam na lista das piores formas de trabalho infantil da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Para a coordenadora nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do MPT, Patrícia Sanfelici, é preciso um esclarecimento sobre a mudança metodológica que não só vai contra o conceito do trabalho infantil, como torna a pesquisa atual incomparável com as anteriores.
“Precisamos entender melhor o porquê da mudança, em quais fundamentos elas se baseiam, porque esse contingente desconsiderado faz parte, por exemplo, do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil”, explica. A especialista descarta uma tentativa de mascarar os dados, mas explicita que a expectativa é compartilhada por toda a rede de proteção dos direitos de crianças e adolescentes.
Patricia explica, ainda, que o trabalho infantil não precisa ser necessariamente remunerado e que crianças e adolescentes submetidos a condições de sobrevivência estão igualmente expostos. “Eles não podem ser submetidos a essa responsabilidade que é da família ou do Estado, quando esta se torna incapaz da promoção”, esclarece. “O reconhecimento dessas situações é fundamental para combatê-las. Como o Estado pode desenvolver políticas sem esse ancoramento?”, questiona.
Ela reconhece uma pequena queda no índice de trabalho infantil no País desde o levantamento de 2015, “mas algo que nos levaria a ter em 2025, mais de meio milhão de crianças e adolescentes em situação irregular de trabalho”. O cenário inviabilizaria o cumprimento da meta de erradicar o trabalho infantil proposta pela OIT.
Outro lado
O IBGE publicou uma nota de esclarecimento sobre o método utilizado. O texto explica que os conceitos adotados pela Pnad Contínua estão ajustados à Resolução I da 19o Conferência Internacional dos Estatísticos do Trabalho (CIET), referente às estatísticas do trabalho, ocupação e subutilização da força de trabalho. Nessa resolução, define-se o trabalho em ocupação (que é aquele que gera rendimento diretamente ou de forma indireta para o domicílio) e as outras formas de trabalho.
A nota reforça o caráter complementar da Pnad contínua em relação ao Pnad Anual. O texto afirma que a atual pesquisa amplia a cobertura desse tipo de trabalho além do que foi definido na Pnad Anual, que estava restrita à produção nas atividades da agricultura, pecuária e pesca para alimentação e a construção para o próprio uso.
“Na Pnad Contínua, além desses dois tipos de produção para o próprio consumo, capta-se o trabalho na produção de carvão, coleta de lenha, água, areia ou outro material; na fabricação de roupas, tricô, crochê, bordado, cerâmicas, rede de pesca, etc. Ademais, na Pnad Anual, o trabalho na produção para o próprio consumo só era captado se fosse o único trabalho, esclarece a nota do IBGE.
Em relação ao trabalho doméstico, o IBGE entende que a investigação está mais detalhada na Pnad Contínua em relação a que era feita na Pnad Anual, inclusive explicitando o cuidado de pessoas.
O IBGE ressalta também que as estatísticas de trabalho das crianças e adolescentes produzidas com base na Pnad Contínua não são comparáveis com as da Pnad Anual, já que há diferenças metodológicas no que diz respeito à amostragem e ao questionário de apuração dos dados.
Sobre a captação das formas de trabalho, o Instituto entende que o método da Pnad Contínua difere substancialmente daquela utilizada na Pnad Anual pois, além de ter sido ampliada, é muito mais detalhada, sobretudo na captação das informações referentes à produção para o próprio consumo e afazeres domésticos.
Fonte: Carta Capital