Consenso político e combate à fome

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A fome responde por metade de todas as mortes de crianças até cinco anos de idade no planeta. Um pedido aos presidenciáveis de 2018

Tomaz Silva/Agência Brasil

Em artigo recente, o diretor-geral da ONU para Agricultura e Alimentação, o brasileiro José Graziano da Silva, diz que “a forma mais eficaz de combater a fome é o consenso político para enfrenta-la”. Se assim for, no Brasil de hoje em dia, viveremos na fome.

Quem irá duvidar? O Brasil é uma prova viva do que diz o diretor da FAO. Inteligentes que são, tenho certeza que leitores e leitoras pensaram nos 13 milhões de desempregados? Ou nos 45 milhões da população ainda abaixo da linha de pobreza?

Talvez, nos caboclos, campesinos e sertanejos sem apoio de um ministério como o Desenvolvimento Agrário? Não? Então já sei, lembraram-se dos assentados, comunidades indígenas e quilombolas. Também não?

Deixe-me ver. Consenso político. Bem, no momento, difícil contar com isso. Gestado há pelo menos uma década, em abril de 2016, um golpe de Estado, de responsabilidade congressual, judiciária e midiática ceifou a democracia brasileira.

Curiosamente, na sequência, a política foi rolando com pequenos golpes, filhotes do maior, mas com os mesmos atores. Eles têm sido vorazes em destruir conquistas passadas. Desde aquelas criadas por políticas econômicas nacional-desenvolvimentistas até os patrimônios especiais e soberanias conquistadas após os períodos de Getúlio, Juscelino e dos governos militares.

Não apenas a voracidade me surpreende, mas a rapidez. Decisões que demoraram décadas para amadurecer, algumas até com participação popular, sistemas e aparelhos sociais, são decapitados num estalar de dedos. De um dia para o outro e sem contestação da velha mídia.

Falam em reformas, o que me faz pensar ter vindo daí a péssima ideia de se cogitar o nome de Luciano Huck para concorrer à Presidência da República, em 2018. Afinal, no seu programa global não havia (ainda há?) um quadro em que ele reformava a casa de uma família pobre?

Se Graziano acha que “a melhor vitamina contra a fome” está no consenso político de enfrenta-la, sugiro que envie um e-mail para os seguintes senhores e senhoras, em ordem alfabética: Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles, Jair Bolsonaro, João Dória Júnior, Joaquim Barbosa, Luiz Inácio Lula da Silva, Manuela D’Ávila e Marina Silva, com os seguintes dizeres:

“Prezados senhores, senhoras, senhoritas, sei lá,

Como vocês (perdoem-me a indevida intimidade) sabem, dirijo uma organização que trata de agricultura, que vira alimentos, que matam a fome. Creio que já assim perceberam em suas casas ou naquelas de repasto. Se o termo os fez lembrarem olhares bovinos, foi justamente essa a intenção.

Alguns de vocês, sei, já passaram fome. Não importa se por miséria ou vontade de emagrecer. De qualquer jeito, é uma coisa chata, mas o primeiro é tenebroso. “A fome responde por metade de todas as mortes de crianças até cinco anos de idade no planeta”.

Países muito mais ricos e desenvolvidos que o Brasil, como Reino Unido, Estados Unidos e Canadá, mantêm uma rede de banco de alimentos. Segurança alimentar, o que aqui apelidaram assistencialismo, arriscado de ser eliminada por um tal de ajuste fiscal.

Taí, Meirelles, “eu fiz tudo pra você gostar de mim”, mas seu fiscal não vê que um terço dos alimentos são desperdiçados País afora. Neste sentido, você e os demais são criminosos, inclusive por se empanturrarem nos restaurantes de luxo de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
O Programa Bolsa Família, também vilipendiado, foi introduzido na Malásia, Malawi, Moçambique, Niger. e Senegal.

Tentem conversar, criar um consenso, nem que seja jogando dominó lá no Botequim do Serafim, agora com novo endereço: céu ou inferno. Escolham e boas eleições”.

Nota: como em todos os anos, em dezembro a coluna faz um mês sabático. Se deixarem ou implorarem, volto no início de janeiro com as previsões para 2018. Em linguagem teatral, Boas Merdas!

Fonte: Carta Capital