As novas regras trabalhistas afrontam a Constituição e não garantem segurança jurídica às empresas
Quem afirma que a “reforma” trabalhista promove uma “modernização” das relações de trabalho, atualizando a CLT de Getúlio Vargas, e estimulará a geração de emprego e a segurança jurídica sem reduzir direitos trabalhistas, ou não sabe do que fala, e se posiciona induzido pela insistente desinformação promovida pela mídia, ou está, propositalmente, a contribuir para a desinformação, vislumbrando, ou não, algum benefício próprio, pouco importa.
Trata-se de uma lei com mais de 200 dispositivos, que alterou vários artigos da legislação existente, mas elaborada e aprovada em praticamente dois meses, o que a torna cheia de remendos, contradições, deficiências técnicas, inconstitucionalidades e inconvencionalidades.
Uma lei que se apresenta como a antítese da CLT, mas que tenta enxertar seus antivalores na própria CLT, cujas normas ainda em vigor se contrapõem a vários dispositivos da lei. Que afronta a Constituição em diversas passagens, mas estipula o respeito às normas constitucionais. Que tenta atrair a noção privatista de negócio jurídico do Código Civil, mas é obrigada, sem eliminar o Direito do Trabalho, a conviver com os princípios do Direito do Trabalho.
Que não atendeu aos postulados da Organização Internacional do Trabalho quanto à necessidade de consulta prévia e diálogo com as organizações de trabalhadores, ofendendo a Convenção 154. E que tenta impedir que os trabalhadores busquem a efetivação de seus direitos na Justiça do Trabalho, criando custos processuais mesmo para os beneficiários da Justiça gratuita.
Forjada a quatro paredes, atende exclusivamente aos interesses do capital. O contexto político da elaboração da lei foi o de um autêntico Estado de Exceção, que se tem projetado para o momento posterior à aprovação da lei, por meio do forte assédio a juízes e por meio das ameaças de extinção da Justiça do Trabalho.
De fato, não tratam do assunto em uma perspectiva efetivamente jurídica. Estão, isto sim, a demonstrar seu poder, na tentativa de colocar o Poder Judiciário, último bastião institucional da defesa democrática, aos seus pés.
Ao contrário do que supõem alguns segmentos empresariais, a Lei nº 13.467/17 não tem dono. Não é uma lei superior às demais. Não faz letra morta da Constituição Federal e dos tratados internacionais relativos aos direitos humanos e aos direitos sociais. Não supera os princípios, conceitos e institutos jurídicos do Direito do Trabalho. Não tem o poder de transformar os juízes em autômatos, desprovidos de consciência e sentimentos, ou de impedir que os juízes cumpram a sua função. O que se pode vislumbrar como efeito da vigência da presente lei é:
1. O Direito do Trabalho sobreviverá, as normas constitucionais continuarão a ter vigência, e aqueles que tentarem ignorá-los, atribuindo-lhe o caráter de uma “superlei”, se verão em estágio elevado de insegurança jurídica.
2. Ao mesmo tempo, haverá um aumento do sofrimento dos trabalhadores, uma vez que a lei, apesar de todos os problemas técnicos e da chance de ter seus efeitos revertidos, impedidos ou minimizados em ações judiciais, ao entrar em vigor será aplicada de forma imediata e concreta pelos empregadores, dentro da lógica que dele se extrai (aumento de seu poder ante os trabalhadores), pelo modo que lhes interessa imediatamente, valendo lembrar que, em paralelo ao advento da lei, se tem promovido um total desmonte dos serviços de fiscalização do Ministério do Trabalho.
Assim, a par da insegurança jurídica, deve-se esperar, de forma realista, uma redução de ganhos e de direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, acompanhada de um sensível aumento do sofrimento no ambiente de trabalho e fora dele. Some-se o fato de que as formas precárias favorecem a acumulação da riqueza sem a compensação social necessária, inclusive aquelas de naturezas tributária e previdenciária.
Ao mesmo tempo que estimula a proliferação das contingências sociais, a lei nos conduzirá a passos largos para a barbárie social, com a grave consequência de que a solução que venha a ser pensada, após a redução do papel do Estado, iniciada com a PEC do Fim do Mundo e mantida com as privatizações e a redução de direitos sociais, será a da ditadura do poder econômico, tendo em conta, ainda, a fragilização também imposta à classe política.
Sob o comando absoluto dos grandes conglomerados econômicos, que superam, inclusive, os limites da soberania, fazendo letra morta do preceito clássico da democracia, a participação popular, perde-se ainda a própria noção de cidadania, levando consigo a eficácia dos direitos liberais da liberdade e do voto.
O que impulsiona movimentos de retrocessos, igualmente, no aspecto da tolerância, no respeito às diversidades, na liberdade de expressão, ou seja, na concepção e na efetivação dos direitos humanos, duramente conquistados ao longo de lutas históricas.
É o passo mais decisivo nessa direção. Pode parecer exagero, mas não é. Aliás, deve-se assumir que o momento é bastante trágico. Chegamos até aqui sem a devida reflexão sobre os acontecimentos e, consequentemente, sem as necessárias e possíveis resistências.
Ainda é tempo de reagir. Se a lei em questão tem todo esse significado, o caminho da reversão passa, necessariamente, pela sua revogação, retomando-se, na sequência, o debate em outro nível e com outros pressupostos e correlações de forças. Do contrário, serão tempos de incertezas e sofrimentos.
Fonte: Carta Capital