Impotência, desilusão, cálculo… É difícil compreender as razões para a falta de mobilização contra um presidente impopular e envolvido em corrupção
Comecei há cerca de um mês meu ano sabático como professor visitante na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Isso explica tanto a descontinuidade da coluna quanto meu tema de hoje. Volta e meia tenho que explicar por aqui porque um presidente ilegítimo e corrupto não cai. Ele não só foi gravado em uma conversa noturna que levou à entrega filmada de uma mala de dinheiro a um enviado, o deputado Rodrigo Rocha Loures, como é o mais impopular da história das pesquisas modernas de opinião no Brasil.
A lógica diria que os deputados se afastariam de Michel Temer para se eleger em 2018, mas Tom Jobim nos ensinou que o Brasil não é para amadores. Parte da resposta foi dada por André Singer em coluna recente: os deputados calculam que os eleitores nos grotões do País mal acompanham o noticiário nacional e vão escolher os candidatos indicados pelos prefeitos às vésperas da eleição.
Podemos lembrar que os prefeitos, por sua vez, asseguram sua popularidade por meio de obras financiadas pelas emendas orçamentárias e pela influência dos deputados nos governos federal e estadual. Assim, o deputado elege o prefeito, que elege o deputado.
É difícil duvidar que as obras continuem a gerar propinas que vão alimentar o caixa 2 das campanhas e as pequenas fortunas dos políticos. Logo, enquanto a população das periferias não for mais capacitada a se informar sobre o saque sobre seus direitos sociais e trabalhistas realizado por seus próprios deputados, estes vão preferir seguir o dinheiro e apoiar o presidente que libera as verbas para obras e para o caixa 2 de campanha.
É provável que o parlamentar eleito nas maiores cidades seja mais prejudicado pela proximidade com o presidente impopular. Isto ajuda a explicar o interesse de parte importante dos deputados do PSDB que querem levar o partido para a oposição fingindo que nunca souberam do envolvimento do tucanato com os métodos tradicionais de financiamento de campanhas eleitorais. Como perguntou Sergio Machado, ex-líder do PSDB no Senado, a Romero Jucá: “Quem não conhece o esquema do Aécio? Eu, que participei de campanha do PSDB…”
Pode ser, contudo, que o deputado do PSDB não precise ter tanto medo de seu eleitorado. O eleitor típico dos tucanos nas grandes cidades vestiu o símbolo da CBF para a suposta união nacional contra a corrupção quando o alvo era o PT, mas parece ter aposentado a camisa da Seleção e as panelas depois. Se este eleitor considera a luta de classes mais importante que a luta contra a corrupção, é pouco provável que deixe de votar nos partidos conservadores. Pode até trocar um deputado por outro, mas manterá a linha.
O mistério é saber porque o povo mais conscientizado nas grandes cidades, que ganhou renda e direitos com os governos do PT, não se mobiliza para pressionar pela queda de Temer. Creio que há um misto de impotência, desilusão e cálculo.
Impotência, por ter medo de apanhar da polícia, que não respeita o direito à manifestação pública e porque sabe que os congressistas corruptos que apoiam Temer até o fim são insensíveis à pressão popular nas grandes cidades.
Desilusão, pois tem a memória da campanha eleitoral de 2014 e do aviso presidencial posterior de que “não há alternativa”.
Cálculo? Para muita gente, creio que sim. Se é improvável que Temer seja afastado pela Câmara dos Deputados, é ainda mais improvável que, em seguida, os parlamentares antecipem eleições diretas. Com votação indireta, um novo presidente ungido pelo Congresso Nacional teria mais força para passar contrarreformas como a da Previdência, que tem apoio maciço do empresariado, mas são muito impopulares. Logo, para quem quer barrar novos cortes de direitos sociais, é mais arriscado ter alguém como Rodrigo Maia na presidência. Ruim com Temer, pior com outro.
O perigo para quem pensa assim é que nada garante a vitória da oposição nas eleições de 2018, apesar da impopularidade de Temer. Se esperar pela campanha eleitoral, a mobilização popular pode vir tarde demais.
Fonte: Carta Capital