* 21 de setembro é Dia Nacional da Pessoa com Deficiência
Segundo dados do último censo do IBGE cerca de 23,9% da população brasileira convive com algum tipo de deficiência[i]. Dados da ONU[ii] indicam que 1 em cada 7 pessoas no mundo também se enquadra na mesma situação.
Entretanto, tais dados não são perceptíveis em nosso cotidiano em decorrência da quase inexistência da pessoa com deficiência nos ambientes comuns à sociedade, impulsionada pela existência de barreiras arquitetônicas, atitudinais, comunicacionais e pela dificuldade em lidar com as diferenças. A deficiência é tomada enquanto fator estigmatizante, constituindo cenário perfeito para a instauração do ostracismo social.
Cabe a nós (enquanto pessoas com deficiência) destacarmos que nosso direito de estar no mundo é colocado em xeque na interação com as diferentes espécies de barreiras que enfrentamos, não somente no cerceamento do direito de locomoção, mas também na luta constante e diária para manter e preservar a nossa identidade e dignidade diante das baixas expectativas sociais imputadas a nós.
A associação entre deficiência e incapacidade é causa da reclusão de muitas pessoas com deficiência em suas residências, seja pelo fato destas internalizarem dada concepção, seja pelo fato de seus familiares temerem por todos os empecilhos a serem enfrentados. No entanto, a insegurança (ponto em comum entre as duas motivações citadas) decorrem da falta do espaço de pertencimento e de existência das primeiras ante a marginalização da inclusão enquanto pauta de discussão no campo jurídico, na elaboração de políticas públicas ou nos movimentos sociais.
Como se conceber parte de um mundo que material e intelectualmente ignora a sua existência?
No decorrer da história a deficiência foi tomada enquanto fator desencadeante da discriminação, tornando legítima a segregação e extermínio da pessoa que convivia com ela. Cabe aqui destacar que dadas concepções perpetuaram-se pela reprodução de tais discursos, bastando lembrar que as pessoas com deficiência também foram vítimas das políticas de esterilização compulsória e de extermínio no regime nazista, ou o perplexo da comunidade jurídica quando às alterações operadas no instituto da capacidade civil pela Lei Brasileira de Inclusão.
O reconhecimento da pessoa com deficiência enquanto humana e, portanto, titular do direito à vida (em seu sentido estrito) deu-se somente na idade média, advinda de concepções de caridade e salvação que permeiam o ambiente cristão até hoje.
Posteriormente, a pauta da deficiência foi incorporada ao campo das ciências naturais, com a criação do modelo biomédico da deficiência, momento em que seria permitida à pessoa com deficiência a vivência nos espaços em comum com as outras pessoas, desde que a primeira se demonstrasse capaz de alcançar o padrão de normalidade estético e existencial pré-estabelecido.
Diante de tais incongruências, as pessoas com deficiência conquistaram uma abordagem social acerca da temática. Foi posto em evidência o fato de que as lesões no corpo humano nada mais são do que fruto da diversidade humana e que o estigma atribuído a este caractere – a deficiência – é fruto de uma sociedade incapaz de lidar com as diferenças: só me torno deficiente no instante em que o ambiente e as relações que estabeleço neles transformam a lesão em empecilho ao exercício de direitos em semelhança com as demais pessoas.
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU diz:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
O dia nacional de LUTA da pessoa com deficiência (21 de setembro) retrata exatamente o rompimento com os ideais assistencialistas e integracionistas: a desconstrução da figura da desta pessoa enquanto objeto de pena e portador de anormalidade a ser corrigida. A LUTA da pessoa com deficiência reside no fato de todos os dias ser necessário enunciar que as únicas aberrações são àqueles que voltam suas energias à negação das diferenças.
O que dizer de figuras políticas que sentam em cadeiras de rodas para “vivenciar os empecilhos enfrentados por um cadeirante”[iii] quando, na realidade, todos sabemos que a acessibilidade ainda não é posta como ponto importante na elaboração de grande maioria das políticas urbanas? A dignidade está intrinsecamente ligada à pessoa com deficiência e os direitos inerentes a ela são frutos de LUTA e não de meras caridades ou teatrinhos ridículos.
E os juízes que, mesmo em vista da falta de acessibilidade nos interiores dos fóruns, recusam-se a transferir as audiências para o térreo e acham-se na posição de optar como mais plausível a substituição de advogados com deficiência?[iii]
Na conjuntura política e social atuais, é de se esperar que esta data seja tomada pelos grandes meios midiáticos para enaltecer ainda mais a objetificação da pessoa com deficiência. No entanto, o mundo e a pessoa com deficiência precisam entender que, o fato de nosso corpo e existência não se encaixarem nos padrões de normalidade não nos torna menos dignos ou capazes. O maior obstáculo que aflige a dignidade de nossos múltiplos modos de existência não possui natureza física, mas comportamental e moral: a incapacidade alheia em lidar com as diferenças.
Fonte: Justificando