Audiência pública do Senado vai debater planos populares de saúde

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Projetos que praticamente revogam a atual lei de planos de saúde – e que tramitam em regime de urgência na Câmara – também serão discutidos

Antônio Cruz/Agência Brasil

O vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado, senador Paulo Paim (PT-RS), aprovou requerimento para a realização de audiência pública, no próximo dia 2 de outubro, para discutir planos de saúde. O debate foi sugerido pelo Movimento Chega de Descaso, do Rio de Janeiro, que representa interesses individuais e coletivos na garantia do direito essencial à saúde, reforçando a participação social e com foco em ações de promoção da saúde e prevenção de agravos à saúde.

O movimento tem apoio de entidades como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Conselho Nacional de Saúde (CNS), Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e Associação Nacional do Ministério Público de Defesa da Saúde, entre outras.

Na última quarta-feira (13), a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) aprovou relatório de um grupo de trabalho que analisou a proposta elaborada pelo Ministério da Saúde, que autoriza a venda dos chamados planos de saúde acessíveis – mais baratos porque têm cobertura reduzida, praticamente ambulatorial.

De acordo com o relatório, não há obstáculos para os principais pontos sugeridos para esses planos. Entre eles, a coparticipação, um valor que os usuários deverão pagar quando tiverem de usar os serviços do plano. Um exemplo: se precisar de UTI, terá de pagar metade. Como uma diária custa em torno de R$ 3 mil, o usuário terá de bancar R$ 1,5 mil por dia.

Outro ponto é o fim da exigência de que os contratos ambulatoriais garantam a internação de emergência a seus usuários, nas primeiras 24 horas.

O ministro Ricardo Barros, autor da proposta que teve participação e pressão dos planos de saúde, comemorou. E afirmou que o relatório da ANS “demonstra que os planos acessíveis podem ser implementados pelo mercado, sendo de livre escolha do consumidor optar pela adesão” e que a agência, “portanto, deve garantir a qualidade desses produtos ofertados.”

Fim da regulação

A aprovação do relatório da ANS ocorre paralelamente à ação de uma comissão especial da Câmara para rever, em regime de urgência, a Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/98). O objetivo é mudar a legislação a partir da junção de 140 projetos que tratam do tema.

Entre os possíveis retrocessos, estão a proibição de aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) aos contratos de planos de saúde; autorizar a venda de planos “populares” ou “acessíveis”, segmentados e com imensas restrições de coberturas; acabar com o ressarcimento ao SUS, previsto na lei 9.656/98, toda vez que um cliente de plano de saúde é atendido na rede pública; a total liberação de reajustes dos planos individuais, que hoje obedecem a teto anual já acima da inflação; e a transformação em “máximo” do atual rol mínimo de itens de cobertura obrigatória pelos planos de saúde.

Para as organizações de defesa dos consumidores, as propostas trazem retrocessos nos direitos dos consumidores, a exemplo do que vem ocorrendo de maneira generalizada em diversas áreas, como telecomunicações, serviços financeiros, aviação e saúde.

Coordenador do Movimento Chega de Descaso, o farmacêutico Leandro Farias entende que o descaso à saúde da população tende a aumentar com a implementação dessas mudanças. “Grande parte das pessoas não tem noção de seus direitos. Muita gente desconhece a ANS. Estamos vivendo uma crise das instituições. E além disso temos as empresas de saúde privada entre as maiores doadoras de campanha do atual ministro da Saúde, Ricado Barros”, disse.

Farias lembra que na última eleição, Barros teve como seu maior doador individual de campanha para deputado federal o diretor-presidente e fundador da administradora de planos de saúde Aliança, Elon Gomes de Almeida, que doou R$ 100 mil.

Na sua avaliação, as mudanças nas regras dos planos de saúde, que afetam em cheio o direito dos usuários, devem aumentar a judicialização. Dados da 13ª edição do Relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça, divulgada no início de setembro, mostram que até o final de dezembro passado tramitavam em todas as instâncias da Justiça do país 1.346.931 processos envolvendo saúde. Desse total, 427.267 eram referentes a planos de saúde.

Usuários

O Chega de Descaso, que presta consultoria jurídica gratuita a usuários de planos de saúde do Rio de Janeiro, de maneira presencial, e de modo virtual para aqueles que vivem nos demais municípios e estados, lançou recentemente uma campanha (assista vídeo abaixo).

“O movimento precisa de ajuda para cobrir os custos de manutenção de um espaço físico, onde serão realizados gratuitamente os atendimentos à população, e também para a construção de uma plataforma online de mapeamento que abrigará um banco de dados com os diversos reclames da população desassistida pelo sistema de saúde, permitindo não só tornar mais eficiente o apoio e o acompanhamento da vítima, como também realizar o monitoramento das unidades de saúde pública e privada”, disse Farias.

Entre os temas mais reclamados estão reajustes abusivos de mensalidade, negativa de cobertura, demora no agendamento de consultas ou procedimentos, falta de leitos em CTI/UTI, falta de medicamentos.

“Ao atendermos a população nós procuramos fazer um mapeamento das unidades de saúde a partir das demandas, e ao alimentarmos um banco de dados visamos pautar políticas públicas para o setor saúde”, disse. “Sempre levantando a bandeira da saúde como direito e não bem de consumo. Nós transformamos as demandas individuais em lutas coletivas. A saída jamais pode ser individual, ou seja, precisamos lutar em defesa do direito universal, e não nos iludirmos com a aquisição de planos de saúde”.

De acordo com ele, atender detentores de plano de saúde permite ainda demonstrar que a solução para a saúde é o fortalecimento do SUS. “Acredito que escritórios de advocacia e órgãos de defesa do consumidor ‘param na página’ referente ao direito do consumidor. A gente atravessa essa barreira, trabalha a educação popular em saúde e ainda participa de instâncias de participação social. Denunciamos a máfia da saúde privada composta por empresários, laboratórios, indústria farmacêutica, planos de saúde, OSs, membros do legislativo e executivo. Sem falar que detestamos esse termo ‘consumidor’ quando se refere à saúde, assim como ‘paciente’ ou ‘cliente’. Tanto na saúde privada quanto pública utilizamos termos como ‘usuário’ ou ‘assistido’”.

 Fonte: Rede Brasil Atual