O mapa da violência de 2016 é assombroso. São quase 60 mil mortos anualmente no nosso país. Isso significa que a cada 9 minutos uma pessoa é morta.
Fico surpresa a cada notícia sobre a morte de uma pessoa no Brasil. Fico assustada com a violência com que esses crimes são cometidos. Fico pasma com a naturalização da imprensa, governo e da população com a tamanha brutalidade de cada morte.
As manchetes da imprensa causam arrepios. “Travesti enterrada viva”. “Jovem morto a pauladas e chutes”. “Polícia envolvida em chacina”. Isso não é natural. Isso não pode ser aceitável. Norte, Sul, Sudeste, todo o Brasil ensanguentado.
O mapa da violência de 2016 é assombroso, e me permitam usar esses adjetivos ruins. São quase 60 mil mortos anualmente no nosso país. Isso significa que a cada 9 minutos uma pessoa é morta.
Além do número assustador em relação aos homicídios, outros números nos causam horror, quando dizem que somos a quarta maior população carcerária do mundo, com 700 mil presos. Que possuímos mais de 221 mil pessoas presas sem sentença. Que as armas da polícia estão apontadas para a população pobre e maioria negra. E que cerca de 503 mulheres são vítimas de agressões físicas a cada hora no Brasil.
Todos nós acabamos arcando com a responsabilidade de uma sociedade insegura, óbvio, mas essas mortes têm alvo certo. O preço maior dessa conta tem endereço fixo e classe. 61% das mortes são de pessoas pobres e negras. Segundo o mapa da violência, são jovens, homens, pobres e negros os que mais morrem. Essa violência é agravada pela desigualdade social, a falta de emprego, a baixa escolaridade, a urbanização rápida e irregular, drogas ilícitas e armas.
Essa pesquisa mostra, mais uma vez, que a forma como o estado faz o enfrentamento à violência é ineficaz. O aumento da repressão, ao contrário do que muitos esperavam, agrava a violência, provoca o aumento do número de mortes e aprofunda as segregações sociais e raciais.
Talvez seja esse um dos motivos para o governo tratar de forma natural o aumento desses homicídios. Por serem pessoas que são sempre colocadas à margem da nossa sociedade. Por serem trabalhadores ou jovens que, provavelmente, não entrarão em uma faculdade ou tampouco terão um emprego digno com garantia das leis trabalhistas (se é que elas ainda existem!).
Não só isso, é como se já nascessem com os direitos negados. Sem a falta mesmo de perspectiva. Por isso, justifica-se matar! Por isso, não sentimos falta. Isso me lembra muitos amigos da minha idade que se envolveram com o tráfico de drogas e sabiam que seu futuro era a morte. Ou das amigas que com o namorado/marido preso se submetiam a ser ‘avião’ e sofrer ameaças de morte por causa do tráfico.
Enquanto esses números me causam arrepios, principalmente por acreditar que, com o agravamento da crise econômica, política e social que estamos vivendo, esse cenário tende a piorar, o governo federal parece tampar os olhos e ignorar os dados. Faz a opção de destruir tudo o que conquistamos de proteção aos direitos humanos até agora. Nos impõe uma agenda de austeridade, reacionária e anti-povo. Congela as despesas em saúde, educação e seguridade social por 20 anos. Restringe o combate à violência ao combate ao tráfico. Aprofunda a militarização. E consolida o estado como principal produtor e reprodutor da violência.
Enquanto países acima do Brasil no ranking do encarceramento como Rússia e China têm adotado medidas desencarcerantes, conquistando dados deflacionários no encarceramento nos últimos anos e até mesmo os Estados Unidos, que ainda encarceram muito, estão ora diminuindo, ora mantendo marca “estável”, apenas o nosso país está em rota crescente de encarceramento.
Precisamos tomar medidas urgentes para barrar essa violência. E medidas diferentes daquelas propostas por movimentos como o MBL e por pessoas como Bolsonaro, que defendem o encarceramento em massa e o armamento, diferente do que o governo golpista vem implementando. Nós temos que propor e construir uma atualização na política de segurança. Encarar de frente e sem preconceitos o debate sobre o combate às drogas e sua legalização.
Esvaziar do sistema carcerário os presos sem sentença e os com sentença cumprida. Exigir o fim dos autos de resistência. Construir políticas públicas que promovam o apoio e atendimento das famílias dos assassinados ou agredidos por forças policiais. Precisamos debater de fato o nosso sistema judicial penal para que possamos construir penas alternativas e justiça restaurativa.
Ou encaramos e enfrentamos esses dados, não só como números que devem ser interpretados, mas como a garantia do direito ao futuro dos nossos jovens, ou estaremos fadados a viver num país que ignora, despreza, tira o direto ao sonho e mata aqueles que sempre exaltamos como o futuro do Brasil, a juventude.
Fonte: Revista Forum