Os indesejáveis precisam ser desumanizados para o desvairado justificar sua violência. No Brasil, vigora o desprezo pela diferença
Arrogância fascistóide. Está na incompetência truculenta do prefeito de São Paulo na cracolândia, na ânsia de vômito do prefeito curitibano Rafael Greca causada pelo cheiro do pobre, na política genocida dos ficcionistas políticos e econômicos no glorioso congresso nacional (sim, iniciais minúsculas).
Está nos bolsomitos, na violência de cada dia dirigida ao outro. Para o arrogante, esse outro não deveria existir por atrapalhar e invadir seu espaço, aliás, enorme, segundo sua insanidade. Delirante, ele agride e elimina o outro. Em sua mente distorcida, inventa cenários, trama enredos grotescos e desenha a solução final: livrar-se desse invasor fabular.
Argumenta desatinadamente e tapa os ouvidos ao bom senso, pois a verdade não pode contrariar seus desejos infantis nem suas atrocidades por motivos vãos. Esse egocêntrico não quer se vingar de seus inimigos imaginários se for necessário. Quer se vingar de qualquer maneira.
O arrogante costuma ser irado, e a ira desconhece vergonha, decência, honra, laços afetivos. Incida tal ira sobre um pai, este também se torna inimigo, denunciou a filosofia antiga. Esse desdenhoso quer esmagar, desproporcionalmente, o que possa ameaçá-lo, ainda que a ameaça seja apenas uma leve nuvem passageira que se interponha entre esse ser extravagante e o sol.
Ele é como o louco Calígula que, irritado com trovões, desafiou Júpiter, um deus, a um combate mortal. Ou como o louco Nero, que mandou matar seu tutor, o sábio Sêneca. Ensandecido e ridículo, o arrogante se põe nu. O próprio Sêneca ensinou que a maldade deve ser eliminada para eliminar a ira, mas o arrogante é autoindulgente. Contorcionista moral, julga-se explorado, insultado, injuriado, injustiçado. Mistura cólera com perversidade arraigada e racional e exclui o outro sem remorso porque esse outro não é humano.
Os indesejáveis precisam ser desumanizados para o desvairado justificar seus pequenos holocaustos. Thomaz Wood Jr. publicou nesta revista que a Neurociência diagnosticou esse doidivanas: quem tem poder sofre de uma fragilidade de espelhamento no processo neural, que fundamenta a empatia.
Essa patologia tem nome: Síndrome da Arrogância. Sintomas: desprezo pelo próximo, perda de contato com a realidade, imprudência e incompetência. Está cientificamente provado: o poder, ainda que minúsculo, limita a capacidade de percepção do outro. Isso explica muito de nosso cotidiano, e muitos de nós conhecemos alguém assim. A boa notícia: A síndrome tem cura. A má? O primeiro passo do tratamento é reconhecer a doença, o que é raro diante de um poderzinho que embriaga e em uma sociedade também doente, pois lotada de arrogantes.
O segundo passo é abrir-se à crítica, mas isso demanda tomada de consciência, que também está em falta. Um remédio para esses soberbos é mantê-los expostos à luz do dia. Foi esse o motivo alegado por Nelson Jahr Garcia para publicar o livreto Minha Luta, de Hitler. O século XXI também herdou os paranoicos históricos, agentes da exclusão mútua. Se deixá-los a descoberto não funcionar, a alternativa é esperar que os raios de Júpiter atinjam os alvos certos.
Fonte: Carta Capital