O que esperar da trajetória do PIB do Brasil nos próximos meses
A economia brasileira está em recuperação? Por quê? A austeridade pode barrar o crescimento? O governo Temer comemorou o resultado apresentado pelo IBGE para o PIB do primeiro trimestre de 2017 como sinal de que a austeridade e as reformas neoliberais estariam no caminho certo: um crescimento de 1% em relação ao trimestre anterior.
Apresento aqui um resumo da resposta da Nota do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (IE-Unicamp) lançada recentemente: a leve recuperação é explicada pela supersafra agrícola e pelas exportações, enquanto a demanda interna ainda é limitada pela política econômica.
De fato, o IBGE não apresentou uma recuperação cíclica da demanda interna. O consumo das famílias continuou em declínio em relação ao trimestre anterior (-0,1%), mas o investimento repetiu a queda trimestral de 1,6%, antes do agravamento da crise política. Este resultado em si é suficiente para refutar o argumento de que a austeridade e mudanças legais e institucionais de Temer seriam responsáveis pelo PIB: se o investimento é determinado pela confiança empresarial na política econômica, o efeito do governo sobre a confiança é nulo ou até negativo.
É verdade que o ritmo da desaceleração da demanda interna é incerto por causa de mudanças metodológicas no IBGE, mas é inegável o aumento na oferta agropecuária de 13,4%. A continuidade do Plano Safra em 2016, depois do impeachment, favoreceu a supersafra de soja e milho, mas ela é explicada a longo prazo pela modernização agrícola financiada pelos bancos públicos e, a curto prazo, por fatores climáticos e pela expectativa de crescimento dos mercados externos, particularmente na Ásia.
Dada a queda do consumo e do investimento, a recuperação industrial também é explicada pelas exportações, a despeito da redução da rentabilidade das exportações provocada pela apreciação cambial desde o início de 2016. A venda de petróleo reagiu graças ao aumento do preço depois do acordo temporário da Opep e ao crescimento da produção oriunda de investimentos anteriores no pré-sal. Outras exportações, em especial de material de transporte, são explicadas pela existência de capacidade ociosa e pelo crescimento do mercado da América do Sul, particularmente Argentina.
Um ponto positivo é que a indústria não tem mais problemas de estocagem excessiva de bens como em outros momentos da depressão e passa a depender da demanda corrente. O setor despencara 1,6% em março, mas cresceu 0,6% em abril e 0,8% em maio, puxado pelas exportações.
Os dados do segundo trimestre comprovam a fraqueza da demanda interna. Depois da queda de 2,6% em março, os serviços cresceram 1% em abril em relação ao mês anterior, porém se estagnaram em maio (+0,1%). O varejo teve queda acumulada de 1,6% em fevereiro e março, mas cresceu 1% em abril, estagnando-se em maio (-0,1%). Dado o comportamento errático dos indicadores setoriais, o indicador do PIB do Banco Central (IBC-Br) caíra 0,46% em março, teve alta (revisada) de 0,15% em abril, mas voltou a retrair-se 0,51% em maio.
Logo, se não pode contar com o investimento privado, a sustentação da recuperação verificada no primeiro trimestre dependerá da política econômica (como veremos), da sustentação das exportações, do tamanho de seu efeito multiplicador e, principalmente, do que ocorrerá com o principal item de demanda no Brasil: o consumo das famílias. Este, por sua vez, depende do comportamento do emprego e seu rendimento médio, assim como das expectativas dos consumidores quanto a isto, de um lado, e da expansão do crédito e do comprometimento da renda com dívidas, de outro.
No que tange à confiança do consumidor, o Índice Nacional de Expectativa do Consumidor (Inec) teve em maio uma queda de 2,7% em comparação com abril. Confrontado com maio de 2016, o recuo foi de 4,4%. Se a reforma trabalhista for aprovada, a desconfiança do consumidor pode aumentar: nada menos que 89% dos trabalhadores entrevistados em pesquisa da CUT/Vox Populi divulgada em junho de 2017 afirmaram que não esperam conseguir sustentar suas famílias depois da “reforma” trabalhista, tendendo a evitar gastos em bens de consumo durável ou construção.
O rendimento médio real voltou a subir pouco, o que pode ser ilusão estatística (pois os mais pobres perderam o emprego) ou expressão de reivindicações de trabalhadores ante a perda anterior. O nível de emprego também estabilizou.
O alto desemprego e a pequena recuperação do rendimento médio real dificultam o processo de “desendividamento” das famílias. De fato, depois de mais de dois anos de crise, o comprometimento da renda das famílias com o serviço das dívidas estava em abril de 2017 praticamente no mesmo patamar de janeiro de 2015. O pagamento das dívidas diminuiu em quase 1,5 ponto porcentual o peso das amortizações na renda das famílias, mas a elevação de juros aumentou quase no mesmo tanto o comprometimento da renda com juros.
Isso ocorre porque o spread cobrado no crédito livre para as famílias aumentou muito ao longo de 2015 e 2016. A taxa de captação dos bancos mal aumentou (acompanhando a variação da Selic), mas a taxa de aplicação aumentou 50% entre dezembro de 2014 e novembro de 2016, de 49,3% para 74,5%. O aumento da margem de lucro dos bancos exigiu maior esforço de poupança das famílias apenas para manter o mesmo comprometimento da renda com o serviço de dívidas. A liberação do FGTS pode reduzir um pouco o endividamento das famílias, mas quase nada além disso.
Em suma, o patamar elevado do desemprego, o medo dos trabalhadores com a reforma trabalhista, o aumento da desigualdade entre os trabalhadores e a recuperação pífia do rendimento médio real limitam também o processo de desendividamento das famílias e, portanto, a recuperação do consumo, pressionado por grandes margens de lucro dos bancos comerciais.
Se as exportações puxam a economia desde fora, a fraqueza do consumo e do investimento a limita desde dentro. O problema é que a política econômica reforça esta limitação.
É impossível negar que a austeridade foi fundamental para transformar a desaceleração da economia em 2014 na depressão depois de 2015, como o livro Austeridade Para Quem?, editado por Luiz Gonzaga Belluzzo e por mim, e a última Nota do Cecon demonstram.
É por entender tardiamente o problema que, em 2016, o governo Dilma Rousseff propôs a elevação da meta de déficit primário para 96,7 bilhões de reais, o que infelizmente ainda determinaria uma forte redução do gasto real em relação a 2015, dado o comportamento da arrecadação. O governo Temer foi mais prudente, aumentando de início a meta de déficit para 170,5 bilhões de reais, para permitir que o governo gastasse mais mesmo se a arrecadação tributária continuasse a despencar. Com isso, o gasto público real aumentou 5,3% em 2016, descontando o registro do pagamento de pedaladas de anos anteriores.
Não se deve subestimar a política contracíclica realizada em 2016: a variação bruta da despesa representou um aumento de demanda perto de 1,7% do PIB. Segundo a Secretaria de Política Econômica (SPE, 2017), o resultado fiscal estrutural teve um impulso fiscal positivo de 0,9% do PIB em 2016, praticamente igual ao da política contracíclica de 2010.
O problema é que o abandono da austeridade foi curto demais, sendo substituído por novo aperto fiscal em um momento em que a economia ainda não se recuperara devidamente. Para 2017, a meta de déficit caiu para 139 bilhões. A aposta era que o “choque de credibilidade” e a política contracíclica levariam ao início da recuperação no segundo semestre de 2016 e a um crescimento de 1,5% do PIB em 2017.
Na realidade, a estagnação do desemprego e o baixo desempenho da arrecadação tributária exigiu contingenciamento bimestral do orçamento público como o anunciado no final de março: 42,1 bilhões de reais em cortes, além da reversão das desonerações da folha salarial vetada ao governo Dilma (recentemente postergada). Graças a receitas extraordinárias, o contingenciamento caiu para 39 bilhões em fins de maio, mas mantida a meta de déficit (139 bilhões), o contingenciamento anunciado determina uma queda do gasto público real em 2017 independentemente da emenda constitucional do teto do gasto.
Para dar uma ideia do tamanho dos cortes do governo central no primeiro quadrimestre de 2017 (em relação a 2016, que já tinha cortes enormes em relação a 2015 e 2014), as despesas discricionárias caíram 23,6%. O PAC caiu 64% (de 14,8 bilhões para 5,3 bilhões), o MCMV, 77,3% (de 2,2 bilhões para 510 milhões). Por isto, não se pode descartar novos contingenciamentos ou, ao contrário, a elevação de impostos, busca de receitas extraordinárias, pedaladas ou até um aumento da meta de déficit para além dos 139 bilhões inscritos em lei (o que serviu como pretexto para o impeachment em 2016).
A despesa real do setor público consolidado caiu 4,3% no primeiro quadrimestre de 2017 (em relação a 2016), acentuando casos dramáticos como o do Rio de Janeiro. Se a taxa for repetida ao longo do ano (o que não é provável), a variação bruta da despesa terá subtraído em cerca de 1,4% a demanda agregada em 2017. Apenas o contingenciamento do governo central, de 39 bilhões de reais, representará cerca de 0,6% do PIB.
O impacto contracionista da austeridade será tanto maior porque continuará a afetar o investimento público e a aumentar a desigualdade ao cortar o gasto social e serviços públicos de que depende a população mais carente, mas preservando interesses poderosos como rentistas da dívida pública, empresários subsidiados, camadas médias isentadas de tributos em gastos médicos e educacionais, funcionários públicos com salário acima do teto. Se austeridade não gera crescimento, pode ser que o objetivo dos que a propõe seja este por estarem desinformados, ou pode ser que não seja gerar crescimento, embora não possam admitir.
Se não for o crescimento, o objetivo da austeridade pode ser exatamente o de trazer os efeitos que traz: distribuir ganhos para rentistas e empresários, e prejuízos para trabalhadores e cidadãos carentes, sob o argumento que o aumento da poupança é prioridade para restaurar o crescimento.
É verdade que a austeridade tem um efeito retardado que amplia a capacidade de gasto dos portadores de títulos públicos: ela aumenta sua riqueza (e não a poupança corrente). Segundo pesquisadores do Ipea, o multiplicador do pagamento de juros é baixo, 0,71. Seu efeito, contudo, acumula-se no tempo e muda na conjuntura. Quando os juros caem, portadores de títulos podem ser estimulados a transferir parte da riqueza financeira multiplicada pelos juros elevados para ativos reais, de modo que este efeito-riqueza anima um pouco o gasto em consumo de luxo capitalista e em investimentos na compra e modernização de ativos públicos e privados deflacionados pela recessão.
Hoje, esse pequeno efeito “contracíclico” da austeridade pode reforçar, temporariamente, o impulso fiscal de 2016, o impacto da elevação da oferta agropecuária e das exportações para tirar a economia do fundo do poço onde foi colocada pela própria austeridade, mas a economia que sairá da recessão e das reformas neoliberais será muito mais desigual e menos dinâmica do que a que entrou nelas. Há evidências internacionais de que a desigualdade diminui a intensidade e a duração das fases de expansão. Para uma sociedade com tamanha heterogeneidade estrutural como a brasileira, imitar e constitucionalizar o que a globalização da desigualdade tem de pior é uma prescrição para fragilidade econômica, mas também uma receita para instabilidade política.
Fonte: Carta Capital