Pagamento de dívidas e consumo de itens básicos ficaram com a maior parte dos mais de 40 bilhões de reais que saíram das contas do fundo
Medida do governo de Michel Temer para angariar alguns pontos nas pesquisas de popularidade e tentar aquecer a economia, o saque das contas inativas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) chega na reta final sem trazer melhora significativa nos dados do varejo ou reduzir a inadimplência. Tampouco ajudou a reduzir a rejeição ao governo. Quanto ao PIB, no início do ano, as previsões apontavam que a liberação das contas inativas poderia contribui com até 0,6%. Agora o cenário é incerto.
Os últimos dados divulgados pelo Ministério do Planejamento mostram que os saques já superaram as estimativas do governo e devem chegar a 100% dos recursos disponíveis. Até o dia 12 de julho foram resgatados 41,8 bilhões de reais dos 43,6 bilhões de reais disponíveis.
Na época da edição da medida provisória que liberou os saques, no final de 2016, o governo projetava que o volume de saques chegaria a apenas 70% do valor disponível. Agora, a poucos dias do fim do prazo, 31 de julho, o próprio governo já estima que 100% do dinheiro será sacado e a sede com a qual os trabalhadores foram às agências da Caixa Econômica Federal demonstra o óbvio: estava faltando dinheiro no bolso.
“O orçamento está de fato apertado”, confirma a economista-chefe do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), Marcela Kawauti. Por conta disso, explica, o dinheiro extra teve principalmente dois destinos, o pagamento de dívidas e a compra de produtos do dia a dia, como alimentos e medicamentos. “No atual cenário, quando entra um dinheiro é para esses gastos que ele vai.” E por “atual cenário” lê-se, principalmente, o desemprego que atinge 13,8 milhões e pessoas e atingiu 13,3% no trimestre encerrado em maio.
“Foi uma medida pontual, era possível esperar um pequeno choque no consumo, mas o prolongamento da crise aumentou muito o desemprego e o endividamento. E a confiança é prejudicada pelo cenário político, uma incerteza que prejudica trabalhadores e empregadores”, complementa o professor de estratégia financeira do Ibmec-SP Paulo Azevedo.
De acordo com os dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC), 43% dos recursos sacados foram para o consumo e a maior parte, 57%, foi para o pagamento de dívidas. E é também a fragilidade do mercado de trabalho que justifica esse comportamento.
“Foi uma renda extra, com efeito marginal no consumo e que não cria a reversão de tendência. Quem dita o consumo é o mercado de trabalho”, explica Bruno Fernandes, economista da CNC. “A falta de confiança e o endividamento fazem com que as famílias optem por honrar dívidas ao invés de consumir. Mesmo quem está empregado tem medo de perder a renda”, resume Fernandes.
Segundo outro levantamento, do SPC Brasil e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), entre os trabalhadores que já realizaram saques, 38% usaram o dinheiro extra para quitar dívidas em atraso, 6% usaram esse recurso para pagar ao menos parte das pendências e 39% para pagar despesas do dia a dia.
Dívida continua recorde
Mais de 40 bilhões de reais e o endividamento só parou de subir. A Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), apurada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), mostra que o percentual de famílias endividadas alcançou 56,4% em junho último, queda de 1,2 ponto percentual ante maio. O indicador também ficou abaixo dos 58,1% observados no mesmo período do ano passado.
A parcela de famílias que declararam não ter como pagar as dívidas, permanecendo inadimplentes, teve leve aumento na comparação mensal. Foram 9,6% em junho, ante 9,5% em maio. Na comparação anual, o indicador também cresceu 0,5 ponto percentual. Segundo a CNC, o custo elevado do crédito e o patamar ainda alto do desemprego vêm impactando a capacidade das famílias pagarem as contas em dia.
Já no levantamento do SPC Brasil, um total de 59,76 milhões de pessoas físicas estavam negativadas no país em junho ante 60,1 milhões em maio, um saldo de 1,5 milhões de nomes incluídos nas listas de negativação ao longo do primeiro semestre de 2017. O número representa 39,6% da população com idade entre 18 e 95 anos. Em junho de 2016 a estimativa apontava a marca de 59,1 milhões de inadimplentes.
“O dinheiro do FGTS ajuda a começar a limpar a casa, é um começo. Então vemos uma acomodação da inadimplência, mas em patamar ainda muito elevado, próximo dos 60 milhões”, pondera Marcela Kawauti.
Poupança
Quem está empregado não confia na recuperação rápida da economia e prefere poupar. Em junho, pelo segundo mês consecutivo, a caderneta de poupança registrou mais depósitos do que retiradas. A diferença entre ingressos e saques deixou um saldo positivo de R$ 6 bilhões, o melhor resultado para o mês desde 2013.
Os dados disponíveis até agora contabilizam os saques feitos até o dia 12 de julho. Assim, cada conta inativa tem, em média, R$ 333. O pagamento médio feito até agora foi maior, de R$ 1.685. A maior parte dos beneficiados pela medida tem valores baixos a receber que, quando se voltam para o consumo, é em algo pontual”, explica Paulo Azevedo, do Ibmec-SP.
Medida provisória
Editada pelo governo no fim de 2016, quando passou a valer, a Medida Provisória (MP) 763/2016 se tornou lei em maio, após ser aprovada sem alterações pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.
A medida beneficiou trabalhadores que pediram demissão até 31 de dezembro de 2015 ou que não conseguiram sacar os recursos no caso de demissão por justa causa. Os saques foram escalonados de março a julho, respeitando a data de nascimento dos trabalhadores.
Sem a MP, os recursos do FGTS só poderiam ser sacados nas demissões sem justa causa, na aposentadoria, para a compra ou amortização da casa própria ou quando o trabalhador permanecia três anos desempregado ou sem registro em carteira. Há, ainda, a possibilidade de saques em casos específicos de desastres naturais ou doenças graves.
Fonte: Carta Capital