Demora na retomada do crescimento econômico continua a minar o emprego formal e a persistência de quem procura por vaga
Os mais recentes dados sobre o mercado de trabalho mostram que o desemprego parou de aumentar. Boa notícia à primeira vista, mas que precisa ser olhada mais de perto: precarização e a desistência da busca por trabalho podem explicar o comportamento dos números. E a reforma trabalhista, que será votada no Senado ainda nesta semana, pode fazer com que um cenário conjuntural passe a ser estrutural.
O IBGE aponta um desemprego de 13,3% no trimestre encerrado em maio, estável em relação ao trimestre imediatamente anterior. Mas o emprego com carteira assinada, nesta mesma comparação, caiu 1,4%. O que ajudou a segurar a taxa acabou sendo a informalidade, com crescimento de 2,2% no emprego sem carteira no setor privado.
Nesta categoria, foram 221 mil vagas, compensando parte dos 479 mil postos fechados com carteira assinada no setor privado. Contribuiu, ainda, a criação de 218 mil vagas na categoria trabalho por contra própria, que inclui desde microempreendedores individuais até camelôs, por exemplo. Embora considerado formal – pois há contribuição previdenciária na modalidade autônomo – o trabalho por contra própria é frequentemente a alternativa de renda daqueles que não encontram emprego.
A deterioração do mercado de trabalho brasileiro é o principal argumento do governo para o avanço de medidas que retiram direitos dos trabalhadores e flexibilizam as relações de trabalho. O texto da reforma altera profundamente as relações trabalhistas no Brasil, ao regulamentar o trabalho intermitente, acabar com a contribuição sindical, enfraquecer Justiça do Trabalho e fazer acordos coletivos prevalecem sobre a legislação. Um conjunto de medidas visto como um importante desestímulo à formalização de postos de trabalho.
“Quando há sinais de recuperação econômica, mesmo que tímido, há um aumento do trabalho informal num primeiro momento. O empregador não quer correr o risco. Só diante de sinais bem claros de retomada a carteira assinada se recupera”, afirma o professor Claudio Dedecca, do Instituto de Economia da Unicamp.
No entanto, mesmo o trabalho informal, aquele sem a proteção social da carteira de trabalho, está longe de atingir os patamares alcançados antes da crise. Entra então um outro componente importante da estatística, aquela parcela de pessoas que desistiram de procurar emprego ou não trabalham o quanto gostariam.
“A estabilidade é bem-vinda e bem vista, mas não pode ser atribuída apenas ao mercado informal”, pondera o coordenador de trabalho e rendimento do IBGE, Cimar Azeredo. Ele lembra de uma outra medida, divulgada trimestralmente (a próxima divulgação será em agosto), que é a subutilização da força de trabalho.
Só é considerado desocupado, e entra na estatística de desemprego, quem não está trabalhando, procurou emprego nos 30 dias anteriores à pesquisa e estava apto a começar a trabalhar. Mas existem outras situações medidas.
São considerados subocupados aqueles que trabalham menos de 40 horas por semana e gostariam de trabalhar mais. A força de trabalho potencial é formada por pessoas que gostariam de trabalhar, mas não procuram, ou procuraram mas não estavam disponíveis para trabalhar no momento da pesquisa. Mulheres que estão fora do mercado para cuidar dos filhos, por exemplo, entram nessa conta. A soma desse contingente é o que a economia brasileira desperdiça de mão de obra atualmente.
No primeiro trimestre deste ano, a taxa composta da subutilização da força de trabalho, incluindo os desocupados, os subocupados por insuficiência de horas e aqueles que fazem parte da força de trabalho, ficou em 24,1%, ou 26,5 milhões de pessoas sem trabalho adequado, número bem maior na comparação com os desempregados, 13,8 milhões.
Em relação à taxa combinada de subocupação por insuficiência de horas trabalhadas e desocupação, o resultado foi de 18,8%, ou seja, 5,3 milhões de trabalhadores subocupados por insuficiência de horas trabalhadas e 14,2 milhões de desocupados. Em 2016 essa taxa foi de 17,2% no quarto trimestre e de 15% no primeiro trimestre.
A taxa combinada da desocupação e da força do trabalho potencial foi de 19,3%, representando 21,3 milhões de pessoas que estão desocupadas ou que gostariam de trabalhar, mas não procuraram trabalho ou não estavam disponíveis. No quarto trimestre de 2016, para o Brasil, essa taxa foi de 17,4% e de 15,4% no primeiro trimestre.
“O movimento atual pode ser indício de retração de procura. O trabalhador desiste de procurar por algum motivo. A estatística da desocupação, para os leigos, é um dado positivo. Mas as medidas de subutilização da força de trabalho podem mostrar que essa estabilidade da desocupação está escondendo um aumento da subutilização da força de trabalho”, explica Azeredo.
Ainda segundo o coordenador do IBGE, a subutilização da força de trabalho não vem acompanhada de um crescimento da ocupação ou do emprego com carteira assinada. “Ela mostra um processo de redução de carteira, aumento do emprego informal e de redução de outra parcela do emprego formal, que é o trabalho por conta própria”, afirma.
Crise e informalidade
Em toda crise é assim: o trabalho formal é o primeiro a retrair. Inicialmente, um empregado demitido recebe suas verbas indenizatórias e, muitas vezes, parte para a informalidade ou para o trabalho por conta própria. A qualidade do emprego cai, afinal, não há os direitos garantidos pela CLT, mas os níveis de ocupação ainda permanecem estáveis.
Apenas num segundo momento o emprego desprotegido começa a sentir os efeitos da crise. Com a roda do consumo girando mais devagar, quase parando, ou girando para trás, o poder aquisitivo cai e nem mesmo a informalidade tem espaço.
É o que acontece nos últimos dois anos, com a perda de 2,7 milhões de postos de trabalho com carteira. Apenas nos últimos 12 meses foram 1,784 milhão de vagas formais a menos – somando setor privado registrado e conta própria – enquanto o setor privado sem carteira assinada criou menos da metade disso, 409 mil vagas. A conta não fecha.
“Isso denota que o estrago da crise, além dela destruir postos de trabalho, reduz de forma drástica o trabalho registrado. O mercado até começa a ganhar emprego informal, mas como a crise é muito forte, nem o emprego informal se sustenta”, explica Azeredo.
Para o professor Dedecca, embora o ciclo de recuperação do emprego comece pela informalidade em todas as crises, certamente a curva agora será mais longa. “Havia uma expectativa, embora lenta, de reaquecimento ainda este ano, com recuperação até 2020. Com a crise política tudo ficou bem mais conturbado. Estávamos em compasso de espera e veio o strike”, afirma, se referindo ao aprofundamento da crise política causado pelas delações de Joesley Batista. “Num contexto em que a recuperação depende tanto de fatores políticos, o ciclo tende a ser mais longo”, explica o economista.
E a crise econômica associada à política tem um aspecto fundamental, que é a confiança. Diante da incerteza sobre a próprio emprego e a própria renda, o consumo patina, o empresário não contrata. “A percepção de quem é consumidor e de quem é investidor é que faz a gente entrar nesse ciclo”, lembra Cimar Azeredo.
E carteira de trabalho assinada está diretamente relacionada à confiança e segurança. “O que a carteira significa? O trabalhador está recolhendo para a Previdência, para o FGTS, vai ter um plano de saúde, o auxílio transporte, uma série de garantias. E vai dar o principal ao trabalhador: o passaporte ao crédito para fazer o mercado andar. A falta da carteira atinge a estabilidade do empregado”, resume Azeredo.
Fonte: Carta Capital