Segundo opositores, PEC possibilita sucatear a Saúde, a Educação e a Previdência. O “saco de maldades” deve ser aberto pós-eleições municipais.
O pato da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) parece ter vencido a batalha ideológica. A grande maioria da população encampou a tese de que o Estado brasileiro gasta demais, e não precisa aumentar os impostos para melhorar a qualidade dos serviços públicos.
Em recente pesquisa divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), oito em cada dez entrevistados manifestaram apoio à redução das despesas do governo, de forma a diminuir os déficits orçamentários. Rejeitam, porém, qualquer sinalização de aumento de tributos.
O levantamento deve servir de justificativa para a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional que fixa um teto para os gastos públicos, encaminhada ao Congresso pelo governo interino em junho.
Formatado pela equipe econômica de Michel Temer, o texto prevê que os gastos públicos não podem crescer acima da inflaçãoacumulada no ano anterior. Válida por duas décadas, a regra não poderia ser alterada antes de seu décimo ano de vigência.
Na prática, o congelamento do orçamento pode gerar graves problemas para o financiamento da Saúde, da Educação e da Previdência Social, alerta a deputada Jandira Feghali (PCdoB), líder da Minoria na Câmara. “Com isso, o governo golpista busca criar uma situação para justificar a desvinculação de receitas, induzir as privatizações, bem como a Reforma da Previdência, com a retirada de direitos dos trabalhadores”.
A condução do “bode para a sala”
Aprovado em 2014, o Plano Nacional de Educação prevê aumentar os investimentos no setor para 10% do PIB até 2024. Atualmente, as despesas equivalem a 6,1%. Na área da Saúde, o governo federal é obrigado a investir o montante aplicado do ano anterior, acrescido da variação percentual do PIB no período.
Tratam-se de despesas obrigatórias, cuja vinculação foi aprovada pelo Congresso justamente para superar o histórico subfinanciamento dessas duas áreas. “Há tempos, os gastos com saúde e educação crescem muito acima da inflação, até pelo aumento da demanda por esses serviços públicos”, afirma o deputado petista Paulo Teixeira.
A fixação de um teto para os gastos públicos não apenas ameaça o cumprimento dessas metas, como abre caminho para o governo reduzir ou acabar com essas despesas obrigatórias, emenda o deputado Ivan Valente, líder do PSOL na Câmara.
“É a velha tática de levar o bode para a sala”, diz Valente. “A tendência é espremer cada vez mais as despesas, com inevitável queda na qualidade dos serviços públicos. Para compensar, vão lançar mão de um megapacote de privatizações, que irá dilapidar o patrimônio público. As consequências para a população serão desastrosas.”
O timing do pacote de maldades
Apesar de ter um aliado no comando da Câmara dos Deputados, Temer deve esperar um pouco mais para apresentar os projetos de reforma da Previdência, da legislação trabalhista, bem como as mudanças mais drásticas no regime de exploração de petróleo da camada do Pré-Sal.
“O governo interino está esperando a conclusão do impeachment, só deve abrir o saco de maldades após a confirmação da votação no Senado”, aposta Teixeira. Na avaliação de Valente, as medidas mais impopulares só devem começar a tramitar no Congresso após as eleições municipais. “Temer não quer prejudicar seus aliados nas disputas locais”.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, antecipou que pretende alterar as regras para a aposentadoria, inclusive de quem já contribui com a Previdência Social. A ideia é elevar a idade mínima para a obtenção dos benefícios, com a equiparação da faixa etária de homens e mulheres.
No campo trabalhista, é previsto um avanço da proposta que pretende fazer o negociado entre patrões e empregados prevalecer sobre o legislado. Também pode prosperar a PEC que libera as terceirizações para todas as atividades de uma empresa. As três maiores centrais de trabalhadores, CUT, Força Sindical e UGT, estão unidas contra ambas as propostas. Até mesmo do deputado Paulinho da Força, um dos entusiastas da deposição de Dilma, manifesta contrariedade às propostas do governo que ajudou a colocar de pé.
Sobre a possibilidade de acordos entre sindicatos e patrões prevalecerem ao disposto na CLT, as centrais avaliam o momento de crise não é propício para a adoção desse modelo, comum em países desenvolvidos. Segundo as entidades, a valorização da negociação requer um fortalecimento dos sindicatos nos locais de trabalho, algo pouco comum no País.
Um dossiê da Central Única dos Trabalhadores (CUT), elaborado em parceria com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), revela o tormentoso cenário das terceirizações no Brasil. Com dados de 2013, o estudo mostra que os terceirizados recebem salários 24,7% menores que os dos efetivos, permanecem no emprego pela metade do tempo, além de ter jornadas maiores.
Um forte aliado na Câmara
Apesar de não ter sido a primeira opção do Planalto na disputa, o novo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), é um grande aliado de Temer. O parlamentar foi um dos articuladores do impeachment de Dilma, além de ser um devotado defensor da regressiva agenda econômica de Temer.
Filho do ex-prefeito do Rio de Janeiro César Maia, o deputado considera prioritários os projetos que fixam teto para os gastos públicos, a renegociação das dívidas dos estados com a União, bem como a revisão do marco regulatório do Pré-Sal. Advoga, ainda, a necessidade de uma Reforma da Previdência nos moldes desejados por Meirelles.
Pela proposta do Executivo, os estados que aderirem à renegociação de suas dívidas também ficariam obrigados a fixar um teto para as despesas públicas. Não há, porém, consenso na Câmara sobre as contrapartidas. O texto será relatado pelo deputado Esperidião Amin, do PP catarinense.
“Ao incluir tal contrapartida, Temer compromete os investimentos de todos os estados”, observa Jandira Feghali.
Na avaliação do deputado Valente, do PSOL, a conta será empurrada para servidores públicos. “Haverá um congelamento dos salários do funcionalismo. Além disso, o prazo de vigência desse teto é de 20 anos. Como um governo interino, que não passou pelo crivo das urnas, pode propor uma maluquice dessas?”
Fonte: cartacapital.com.br