Com a Desvinculação de Receitas da União, 30% dos recursos destinados à previdência, assistência e saúde poderão ser usados para outros fins.
Esta legislatura na Câmara Federal, da qual participo pela primeira vez, tem recebido desde o início propostas de ajustes fiscais que colocam na mira os direitos sociais e dos trabalhadores. Enquanto isso, propostas que não seguem no caminho do aprofundamento da crise e das desigualdades sociais passam à margem das discussões.
Na última semana, a luta foi contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 87/2015, de autoria da presidenta Dilma Rousseff, que prorroga a Desvinculação das Receitas da União (DRU) até 2023 e amplia de 20% para 30% o percentual a ser desvinculado.
Na quarta-feira 1, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou a proposta em primeiro turno, com o apoio da base do governo interino Michel Temer. Caso seja aprovada em segundo turno, nesta semana, e também pelo Senado, o governo poderá destinar para onde quiser 30% das contribuições sociais, que deveriam ir para a Seguridade Social, que reúne as áreas da saúde, assistência e previdência.
Até o ano passado, esse valor significava R$ 60 bilhões anuais, de acordo com Tesouro Nacional. Agora, a Câmara estendeu tal desvinculação a diversas receitas de estados e municípios, e com o aumento do percentual de 20% para 30% na desvinculação, esse saque pode chegar a R$ 120 bilhões, de acordo com cálculos do deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB/SP), um entre os três que votaram junto comigo contra o relatório, na Comissão Especial que tratou sobre a matéria. Pela aprovação foram 20 votos favoráveis.
Um dos argumentos utilizados pelos governos Dilma/Temer é de que os recursos desvinculados pela DRU serão destinados para outras áreas sociais.
Mas o mesmo Executivo admite que parte será destinado anualmente ao superávit primário, ou seja, a reserva de recursos para o pagamento de uma questionável dívida pública, que deveria ser auditada, conforme manda a Constituição Federal.
O próprio relator da PEC na Comissão Especial, deputado Laudivio Carvalho (SD-MG), admite que uma das funções da DRU é exatamente “contribuir para a geração de superávit nas contas do governo, com o objetivo de interromper a trajetória recente de crescimento da dívida pública”.
A argumentação, ainda, esbarra numa contradição. Sem a DRU, os recursos da seguridade apenas podem ir para previdência, assistência e saúde. Com a DRU, 30% destas receitas podem ir para outras finalidades, inclusive para pagamento da dívida. Portanto, a DRU prejudica a melhoria da saúde, previdência e assistência.
Para o PSOL, a prorrogação da DRU representa uma violação a cláusulas pétreas da Constituição, em especial o seu artigo 6º, que estabelece: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Além do mais, a extensão da DRU para estados e municípios pode ameaçar diversas ações financiadas com receitas específicas, como por exemplo, a prevenção a acidentes de trânsito, que utilizam receitas de multas.
A saída para a crise não é cortar gastos sociais, mas não interessa ao governo ilegítimo de Temer, como não interessou o governo de Dilma, discutir saídas que não cortem na carne do trabalhador.
Não há espaço para discussão na Câmara, por exemplo, do único dos sete tributos federais previstos na Constituição sem regulamentação até hoje: o imposto sobre grandes fortunas.
Em uma situação hipotética, a taxação de patrimônios poderia render anualmente R$50 bilhões de reais se aplicada sobre valores superiores a R$5 milhões. Um cálculo já apresentado por especialistas como o Mestre em Finanças Públicas e ex-secretário de Finanças na gestão da prefeita Luiza Erundina em São Paulo, Amir Khair.
Outras alternativas seriam a efetiva tributação dos latifúndios, das grandes empresas do setor primário-exportador (que não pagam ICMS devido à Lei Kandir), e das grandes rendas, inclusive da distribuição de lucros das empresas e os ganhos dos estrangeiros com juros da dívida “interna”, que também contam com isenções de imposto de renda.
Portanto, o argumento oficial de “falta de recursos” para os gastos sociais é enganoso. Na realidade, trata-se de uma questão política, ou seja, de qual grupo social é tributado, e qual é privilegiado com recursos do orçamento.
Por exemplo: nos últimos anos, o governo optou por se endividar, pagando juros altíssimos ao mercado financeiro, para acumular quase US$ 400 bilhões em reservas internacionais, que rendem juros baixíssimos pois são aplicadas, em sua maioria, em títulos do Tesouro Americano.
Enquanto o governo ofereceu até 17% ao ano de juros para vender títulos da dívida aos bancos, em 2016, a taxa de juros obtida com as reservas nos EUA é inferior a um décimo deste valor.
Outro caminho que apresentei nessa legislatura é a auditoria da dívida pública, que consome mais de 40% dos recursos do orçamento federal, e também beneficia principalmente os bancos.
Em 2015, apresentei emenda ao Plano Plurianual 2016-2019 prevendo esta auditoria, o que foi aprovado pelo Congresso Nacional. Mas infelizmente, esta emenda foi vetada pelo governo Dilma e o veto foi mantido pelo Congresso com apoio da base do governo Temer.
Assim, fica evidente que não está no centro da preocupação do Legislativo e do Executivo – neste governo ou no anterior – a busca de saídas verdadeiras para a crise, que não impliquem no sacrifício dos trabalhadores e da grande maioria do povo.
O “austericídio” que continua sendo executado, agora com ferocidade redobrada, visa beneficiar um cada dia mais restrito grupo de plutocratas ligados ao capital financeiro e à ciranda especulativa.
É contra essa verdadeira guerra aos pobres que o PSOL se levanta, para que o povo brasileiro não permita que sejam exterminados direitos sociais tão duramente conquistados na Carta Magna de 1988.
Fonte: cartacapital.com.br