Petrobras encolhe R$ 27,6 bilhões

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Valor de mercado da estatal recua 27% só este ano. Petrolíferas globais perdem R$ 463 bilhões.

O petróleo perdeu quase um quarto do seu valor nos poucos dias desde a virada do ano, mas o barril não despencou sozinho. As dez maiores produtoras da commodity no mundo com ações listadas em Bolsa vêm sofrendo tombos sucessivos na cotação dos seus papéis em 2016, acumulando, juntas, desvalorização de aproximadamente R$ 463 bilhões (US$ 115 bilhões) em valor de mercado — quase equivalente ao de uma gigante como a Royal Dutch Shell. Mas a Petrobras vem se destacando quando o assunto é perda, experimentando encolhimento percentual de 27,2% (em reais) no ano, acima do registrado pelas concorrentes. O recuo da estatal equivale a R$ 27,6 bilhões, passando a valer R$ 73,8 bilhões — apenas 14,4% do seu auge, em maio de 2008, quando bateu R$ 510,4 bilhões.

 Queda de 28,6% em valor de mercado

Na segunda-feira, quando a retirada das sanções econômicas impostas ao Irã no fim de semana levou o petróleo a renovar suas mínimas — o barril do Brent, referência internacional, chegou a ser negociado a US$ 27,67 —, as ações da Petrobras voltaram a despencar. Os papéis preferenciais (PN, sem direito a voto) fecharam em queda de 7,16%, valendo R$ 4,80, o menor valor desde novembro de 2003. No ano, acumula recuo de 28,4%. Já a ação ordinária (ON, com voto) caiu 6,11%, a R$ 6,30. O Brent encerrou a US$ 28,74, queda de 0,7%.

Em dólares, a queda de valor de mercado da Petrobras foi de 28,6%, o que representa uma perda de US$ 7,32 bilhões. Outras empresas perderam mais, como a PetroChina (US$ 31,6 bilhões), a Shell (US$ 22,5 bilhões) e a Chevron (US$ 11,8 bilhões). Mas, como essas companhias apresentam capitalização muito superior à da brasileira, a queda percentual foi mais branda.

O tombo da estatal no pregão de ontem puxou para baixo o índice de referência da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que recuou 1,64%, aos 37.937 pontos, menor patamar desde março de 2009. O dólar comercial fechou em queda de 0,29% contra o real, a R$ 4,035.

— A preocupação do mercado é se os projetos da estatal são viáveis com esse nível do petróleo — afirmou Hersz Ferman, da Elite Corretora. — Uma parte importantíssima do plano da Petrobras para reduzir seu endividamento é vender ativos. Mas, com a situação atual do petróleo, quem é que vai querer comprá-los nos preços desejados? Suas finanças já estão com uma fotografia muito ruim e ainda pegaram um cenário horrível.

AÇÃO PODE CAIR A ATÉ R$ 3,50

Entre as petrolíferas, a Petrobras tem a maior dívida do mundo — R$ 402 bilhões de endividamento líquido — e não vem tendo muito sucesso em sua estratégia de vender US$ 15,1 bilhões em ativos até o fim de 2016: após vários meses, foram apenas US$ 700 milhões. Por causa de fatores como esses, apesar da derrocada de suas ações, a Petrobras ainda é considerada “cara” por investidores se comparada a concorrentes, afirmou Luis Gustavo Pereira, analista da Guide Investimentos.

Pereira comparou a Petrobras a outras três companhias internacionais de petróleo. E calculou em quantos anos a geração de caixa das petrolíferas projetada para este ano pagaria o “valor da empresa” — conceito que, além do valor das ações em Bolsa, considera o tamanho da dívida e as participações minoritárias em outras companhias. Quanto maior o valor, mais “cara” está a empresa do ponto de vista do investidor. No caso da Petrobras, a relação foi de 5,47 (cinco anos e meio de geração de caixa), acima dos indicadores da britânica BP (4,78), da espanhola Repsol (4,93) e da holandesa Shell (3,87). A análise foi realizada em dólares.

— Sobre a Petrobras, mantêm-se os receios com relação a sua alta alavancagem e ao atual preço do petróleo. A empresa depende de um plano de desinvestimento importante, mas dificilmente terá um resultado significativo nesse patamar de cotação do produto — disse Pereira. — O movimento é global, várias empresas do mundo estão sofrendo. Mas, comparando-se os fundamentos, a Petrobras ainda está mais cara que as outras. A faca ainda está caindo, então é impossível segurá-la.

Na avaliação de Raphael Figueredo, analista da Clear Corretora, considerando a cotação histórica das ações, o próximo “nível de suporte” da Petrobras PN é de R$ 4,30. Isso significa que, pelas estimativas do especialista, caso o papel caia abaixo desse nível, há grandes chances de que ele recue para a casa dos R$ 3,50:

— Há mais espaço para queda. Sobretudo se o dólar seguir em alta e o petróleo, que continua sendo o fator de curto prazo determinante, em queda.

Setor demitiu quase 260 mil desde junho de 2014

Quase 260 mil postos de trabalho já foram perdidos no setor de petróleo e gás em todo o mundo desde o início da queda dos preços da commodity, e há estimativas de que o número passe dos 300 mil. Levantamento feito pela consultoria Graves & Co. aponta que as demissões já atingiram 259.484 trabalhadores. O estudo da Graves & Co. considera as demissões desde junho de 2014 — quando o preço do petróleo começou a cair após superar os US$ 110 — até a última sexta-feira. Ontem, o barril do Brent, referência internacional, era cotado a US$ 28,74.

Entram no levantamento empresas de sete segmentos relacionados à indústria de óleo e gás. O maior impacto foi sentido entre os prestadores de serviços, que contabilizam 121.098 demitidos até agora, ou 47,7% do total. Companhias de perfuração respondem por 16,1% dos cortes, com 41,7 mil funcionários a menos, seguidas pelas empresas de suprimento, com 43 mil demissões (16,7% do total).

No relatório da consultoria, há menções a casos brasileiros. O mais recente é o do Estaleiro Atlântico Sul (EAS), cujo número de demitidos é citado apenas como “milhares”.

‘PIORA ANTES DE MELHORAR’

Para John Graves, presidente e fundador da Graves & Co., o número pode crescer.

— Acredito (que o número crescerá). Obviamente, até quanto o preço pode cair é uma pergunta muito complexa e não há resposta fácil. Acredito que as coisas vão piorar antes de melhorarem. Não sei se esse número vai crescer além de 300 mil ou não. Isso está além da minha habilidade de prever — avaliou o executivo.

A empresa de recursos humanos do setor de energia Swift Worldwide Resources vai além e estima que os cortes de trabalhadores podem passar de 300 mil. A companhia também acompanha os anúncios de demissões. Em seu último estudo, de dezembro, estima um total de 244 mil cortes. Há empresas com reduções de vagas perto de dez mil, como é o caso de Schlumberger (11 mil), Halliburton (nove mil), Baker Hugues(10.500) e Weatherford (11 mil).

Segundo o diretor executivo da Swift, Tobias Read, o cenário continua ruim para o mercado de trabalho no setor, devido à persistência dos preços baixos do petróleo. Os novos investimentos são pequenos, e já surgem, segundo ele, os primeiros sinais de concordata na cadeia de fornecedores. Para Janette Marks, diretora operacional da Swift, porém, as perdas podem ser compensadas por outros segmentos que estão se beneficiando dos preços mais baixos, como o refino.

— O impacto das demissões no setor de petróleo no mundo é muito grande. No Brasil, essa crise é intensificada pela situação da Petrobras — afirma Anderson Dutra, sócio da KPMG responsável pelo setor de petróleo e gás.

Chefe da Área de Pesquisa de Macroeconomia da consultoria Oxford Economics, Gabriel Sterne lembra que a queda do preço do petróleo afeta de forma diferente países produtores — com perdas — e consumidores — com ganhos. Sua avaliação é que, para a economia global, o efeito é em geral neutro.

— Um choque de preços leva a uma redistribuição da riqueza das mãos dos produtores de petróleo para os consumidores, mas, de maneira geral, o efeito na economia global é neutro — aponta.

Estudo feito pela Oxford Economics no ano passado — e que agora está sendo atualizado — apontou Hong Kong, Irlanda e Estados Unidos como os países avançados que mais ganhariam em termos de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) com o preço baixo do petróleo. Entre os emergentes, os maiores ganhos seriam de Filipinas, Eslováquia e África do Sul. Por outro lado, Noruega e Holanda são os países avançados com maior impacto negativo. Entre os emergentes, a Rússia deve ter a maior perda, seguida por Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

Diante dessa avaliação de um efeito geral neutro, Sterne acredita que o petróleo não está entre os principais riscos para a economia mundial. As maiores preocupações são a China e a chamada estagnação secular — temor de um longo período de baixo crescimento econômico global. Ele admite, porém, que crescem as preocupações nos Estados Unidos sobre o impacto em setores além do petróleo:

— Há preocupações nos EUA sobre que efeitos o recuo do preço do petróleo pode ter em outros setores. Por exemplo, um banco do Texas que concede empréstimos a companhias de energia pode sentir esse efeito. Mas ainda não vejo evidência disso.

Fonte: fsindical.org.br