Famílias negociaram R$ 24,8 bilhões em débitos atrasados com bancos e financeiras em setembro
Com menos dinheiro no bolso, o brasileiro está recorrendo como nunca antes à renegociação de dívidas vencidas para tentar se livrar dos juros altos e fechar o orçamento. Segundo dados divulgados nesta terça-feira pelo Banco Central (BC), no mês passado as famílias negociaram R$ 24,8 bilhões em débitos atrasados com bancos e financeiras. A cifra, que representa um aumento de 14% em relação aos R$ 21,8 bihões de setembro de 2014, é a maior da série histórica da pesquisa, iniciada em 2007. Para analistas, a alta mostra bancos e consumidores buscando alternativas, diante das dificuldades de pagar as contas. A parcela de dívidas com atraso superior a 90 dias passou de 5,33% em janeiro para 5,7%.
A busca por melhores condições de pagamento está relacionada à forte alta nos juros nos últimos anos. Em setembro, a taxa média de juros para pessoas físicas com recursos livres (que exclui financiamento imobiliário) subiu para 62,3%, a maior desde 1994, início da série histórica. Mas em algumas linhas crédito, os juros são bem maiores.
ROTATIVO DO CARTÃO
O custo do cheque especial não para de subir desde 2013 e chegou em 263,73% ao ano em setembro. São 80,27 pontos percentuais a mais do que há um ano. Para quem recorrer ao rotativo do cartão de crédito, os juros são bem maiores: 414% ao ano. Significa que uma dívida de R$ 100 no cartão mais do que quintuplica e chega a R$ 514 depois de 12 meses.
— É normal que quando o cenário não esteja favorável, aumente a renegociação. Vemos um movimento significativo neste ano. É um movimento natural neste contexto de ciclo econômico — explica Túlio Maciel, chefe do departamento econômico do BC.
Para Carlos Thadeu de Freitas, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e ex-diretor do BC, o movimento deve se intensificar, já que a inflação e o medo do desemprego continuam apertando o orçamento das famílias. De acordo com o IBGE, os preços subiram em média 9,49% nos últimos doze meses. E a taxa de desemprego chegou a 7,6% em setembro, a mais alta para o mês desde 2009:
— Este movimento só está começando. Há certos itens que precisam ser pagos de qualquer jeito, como energia e gasolina. A alta de preços administrados é como se fosse um imposto. Com isso, as famílias têm que renegociar dívidas.
O economista defende que, num cenário de crise, o ideal seria que o BC estimulasse bancos a ampliar o volume de crédito para renegociação de dívidas. A melhor forma, argumenta, seria via liberação de compulsórios — dinheiro que os bancos são obrigados a depositar nos cofres da autoridade monetária. Esse tipo de estratégia vem sendo usada desde o ano passado, mas com o objetivo de estimular o crédito para consumo:
— O BC deveria estimular, não o crédito novo, mas a renegociação. O dinheiro tem que ser carimbado. Se não direcionar, os bancos vão investir em títulos, o que só vai aumentar a dívida pública bruta — diz.
DÍVIDA PARA CONSUMO RECUA
Os dados do BC também já mostram que as famílias passaram a se endividar menos. Em julho — último dado disponível — o patamar de endividamento total subiu 0,1 ponto percentual, correspondendo a 46% da renda anual das famílias. No entanto, quando a conta exlcui o financiamento da casa própria (considerado investimento) houve queda de 0,1 ponto percentual. Isso reflete, segundo o BC, uma retração da demanda por consumo por causa da crise.
Já o comprometimento do orçamento mensal com as dívidas subiu 0,1 ponto percentual nos dois quesitos, ou seja, tanto da dívida geral quanto quando se exclui o gasto as prestações da casa própria.
— A evolução da renda e o custo do crédito mais alto refletem mais no comprometimento do que no endividamento das famílias — ponderou Maciel, do BC.
Na avaliação de Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor de pesquisas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), o aumento das negociações evitou que a taxa de inadimplência crescesse ainda mais.
— Os bancos estão muito flexíveis. A negociação é boa para todos: para o cliente, que evita que a dívida cresça mais, e para o banco porque evita provisões maiores para as dívidas vencidas — explica.
Já Luis Santacreu, analista de bancos da Austin Rating, destaca que a prática é comum no cenário atual.
— É uma questão de necessidade. Os bancos precisam preservar o relacionamento com os clientes. Mas isso vai muito do critério de cada banco.
Fonte: fsindical.org.br