Maiores vítimas de maus-tratos, mulheres se calam

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Em enquete feita no Rio, 39% admitem ter sofrido agressão, mas 71% não denunciaram

Quem é ofendida, caluniada, difamada, ameaçada, agredida ou violentada pode (e deve) fazer o registro policial. Mas cerca de 71% das mulheres que disseram ter sofrido algum tipo de violência, na enquete do projeto Via Lilás, não denunciaram seus agressores. A iniciativa, realizada no estado do Rio, busca, a partir de respostas voluntárias, levantar os números da violência doméstica. São 23 totens espalhados por estações de trem do Rio, que completam quatro meses de funcionamento em julho. Segundo a Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, dos cerca de 50 mil acessos, mais de 28 mil responderam à enquete e 39% admitiram ter sofrido algum tipo de violência.

— Esse dado de 71% assusta, mas é compatível com a realidade. Cerca de 95% dos que sofreram violência eram mulheres — comenta Adriana Mota, superintendente de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher da secretaria.

X., de 29 anos, sofreu todos os tipos de violência. Constantemente agredida pelos dois companheiros que teve, foi ameaçada, violentada e teve seus pertences destruídos. Muitas vezes, ela respondia à violência com atitudes atropeladas, como uso de drogas.

Mãe de três meninas, denunciou o primeiro marido quando ele a agrediu logo após o nascimento da primogênita. E voltou a denunciá-lo quando ele abusou de duas das meninas. Com o segundo marido, a primeira denúncia aconteceu quando foi parar no hospital, após ter os pulsos cortados por ele.

— Até hoje não consegui justiça para as minhas filhas — lamenta X. — Como apanhava dos meus pais, não achava errado eles me baterem. Considerava normal.

X. saiu da casa dos pais, em Bangu, aos 15 anos e dependia financeiramente dos maridos:

— Meu primeiro marido me batia todos os dias e não me deixava sair de casa. Eu ficava num quarto, só com um copo de água e um penico. Escrevi um diário, porque era a única “pessoa” para dialogar.

No caso do segundo marido, ela admite que tinha medo de perdê-lo. Por isso, após as brigas, preferia que ele lhe levantasse a mão do que vê-lo sair de casa. Eles estão separados há cerca de um ano.

X. chegou ao Centro Integrado de Atendimento à Mulher, em Nova Iguaçu, após conhecer o Via Lilás. Ela trabalhou na divulgação do serviço, na Central do Brasil, e hoje tem acompanhamento de profissionais. X. está grávida e mora com a filha mais nova na casa de amigos. As outras vivem com a avó.

Adriana explica que muitas mulheres não denunciam por receio da reprovação da sociedade e da família, por acreditarem que “não vai adiantar nada” ou ainda por dependerem financeiramente do parceiro. Mas também por desconhecimento.

— Já ouvi histórias de mulheres que foram empurradas, jogadas no chão, tiveram seus documentos rasgados, mas achavam bobagem. Quando apanharam, foram à delegacia. Não é preciso chegar a este ponto — ensina Adriana. — Além de existir uma cultura que considera a violência doméstica leve, muitas não sabem que o que sofrem também é violência, porque só conhecem a física e a sexual.
Projeto via Lilá mapeou pessoas que sofreram constrangimento – Arte/O Globo

De acordo com o Dossiê Mulher, do Instituto de Segurança Pública — baseado em ocorrências registradas nas delegacias do estado do Rio —, em 2014 houve um aumento de 18% no número de homicídios dolosos: foram 420 mulheres assassinadas contra 356 em 2013. Dos 420 registros, 41 (9,8%) tiveram maridos ou ex-companheiros como autores. Os estupros também mereceram destaque. Naquele ano, a cada dia, 13 mulheres, em média, foram violentadas no estado.

PROJETO SERÁ AMPLIADO

De 1º de março a 16 de junho, os totens da Via Lilás foram acessados por 49.969 pessoas, sendo que 66% entraram na área sobre violência doméstica. Deste total, 28.375 responderam à enquete sobre violência doméstica e, dos 39% admitiram ter sofrido algum tipo de violência, 95% eram mulheres.

Em relação ao tipo, 55,74% disseram que sofreram violência física; 50,38%, psicológica (ameaça e constrangimento ilegal); 46,23%, moral (ofender a reputação e xingamentos); 16,65%, sexual; e 14,16%, patrimonial.

Além disso, 36,4% tinham entre 30 e 45 anos (61,6% das vítimas têm entre 18 a 45 anos) e 49% eram pardos (a população negra chegou a 72,4%, somando 23,4% de negras).

Os totens que mais foram acessados foram os da Central do Brasil, seguidos dos das estações Maracanã, Madureira e Bonsucesso (além das estações de trens, há equipamentos no Tribunal de Justiça e no teleférico do Alemão).

Do total de acessos, 52,2% pediram envio de endereços de instituições da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres por SMS. Estes centros de referência fornecem atendimento psicossocial e orientação jurídica às vítimas (são 39 no Rio, sendo dois na capital, um em Nova Iguaçu e outro em Queimados).

De acordo com a secretaria, até o final do ano o número de totens chegará a 93. Em julho, 35 serão instalados nas estações das barcas, na rodoviária (em negociação), em algumas delegacias e em hospitais de emergência, entre outros locais.

Adriana reitera a importância da denúncia e sugere o uso de aplicativos de ajuda no celular. O PLP 2.0, para Android, dá a possibilidade de criar uma rede pessoal de proteção, cadastrando contatos telefônicos, que recebem mensagens em caso de urgência. E o 180 Frases (para Android e iOS) traz frases aleatórias na tela inicial, disfarçando sua função. Para sair dessa exibição, basta balançar o celular. Além de informações, ele tem atalho para ligar para a Central de Atendimento à Mulher (180).

// Fonte: Força Sindical