Os efeitos da desaceleração da economia sobre o mercado de trabalho já vão além da geração mais fraca de emprego e se manifestam sobre os salários contabilizados no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
Em fevereiro, a relação entre a remuneração paga aos novos contratados e aos recém demitidos chegou ao menor nível desde maio de 2010 na média em 12 meses, 0,9106. A divisão é comumente usada por economistas para verificar a “temperatura” do mercado de trabalho – quanto mais distante de 1, menores são os salários de contratação em relação aos de demissão e, portanto, mais baratas para as empresas tendem a ser as novas admissões.
Tomando apenas as contratações, o aumento dos salários no confronto com igual período do ano anterior perdeu para a inflação pelo quinto mês seguido – em fevereiro, eles subiram 5,3%, contra uma alta de 7,7% nos preços no acumulado em 12 meses. Entre os setores, a perda de fôlego é disseminada, mas se dá com maior intensidade na construção civil, em que a comparação representa o menor nível desde novembro de 2006.
Nos serviços, o montante pago aos novos contratados subiu 4,97% sobre fevereiro de 2014 – menos que a média, portanto – e chegou a R$ 1.255,88. No mesmo período do ano passado, a alta foi de 6,86%, na mesma comparação. Em 2013, de 8,77%. O salário dos demitidos, por sua vez, repetiu o desempenho de janeiro e aumentou 7,1%, também no confronto com igual intervalo do ano passado.
Na indústria de transformação os salários de contratação avançaram 5,09% no confronto com o mesmo intervalo de 2014 e no comércio, 6,74%. Na média, a remuneração paga aos contratados do total de segmentos pelo mercado formal em fevereiro subiu 5,3%, para R$ 1.211,93. A dos demitidos cresceu mais, 7,3%, para R$ 1.350,01.
A construção civil é o setor em que a relação se deteriorou de maneira mais rápida nos últimos meses. Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos da construção da FGV/Ibre, chama atenção para o corte de 33 mil vagas no segmento no primeiro bimestre do ano, de acordo com a série sem ajuste do Caged. “O setor viveu um ciclo de crescimento forte até 2012, uma desaceleração em 2013 e passa por uma queda desde o ano passado”, afirma.
Ela explica que os salários na construção são pouco elásticos entre as funções técnicas – bombeiros, eletricistas, pintores – e entre aquelas que recebem o piso, nesse caso, por terem valores de certa forma fixados. A dinâmica observada desde o fim do ano passado, para ela, pode estar mais relacionada às oscilações nos valores pagos aos profissionais mais especializados, como arquitetos e engenheiros.
Além da perda expressiva de empregos, a crise na construção deve aparecer de forma mais pronunciada nos salários dos funcionários menos qualificados após as campanhas de dissídio deste ano, quando podem ser acordados reajustes mais modestos que nos anos anteriores.
Sinduscon e FGV estimam que, se o Produto Interno Bruto recuar 1,5% no ano, o PIB da construção deve encolher 5,5%. O desempenho ruim do ramo imobiliário, diz Ana Maria, “está dado desde o ano passado”. “Mesmo que a economia volte a se recuperar no segundo semestre, os efeitos só apareceriam um ano depois, já que leva tempo para o setor lançar e concluir novos empreendimentos”.
As concessões de serviços públicos e as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), portanto, seriam as variáveis que poderiam fazer de 2015 um ano “menos pior” para a construção. Isso, entretanto, parece pouco provável, afirma a economista, especialmente diante dos efeitos da operação Lava-Jato e do ajuste fiscal sobre os investimentos e sobre os projetos de infraestrutura.
“Os indicadores da construção já estão piores do que em 2009”, observa Fabio Romão, da LCA Consultores. Nas contas da instituição, o produto do setor deve cair cerca de 5% neste ano, com recuo de 1% no PIB como um todo. Para ele, a trajetória descendente na relação entre o salário médio de admitidos e desligados no mercado formal é mais uma confirmação da rápida perda de fôlego no mercado de trabalho nos últimos meses.
O comércio e os serviços desaceleraram menos, diz, graças ao aumento resistente dos salários – que chegou a 2,7% em termos reais no ano passado, de acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), nível superior ao de 2013, de 1,8%. Neste ano, contudo, com a expectativa de alta de 0,6% no indicador pela LCA, a tendência é que a relação entre as remunerações mantenha a trajetória cadente observada desde meados do ano passado.
Nesse sentido, o economista-chefe do banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, lembra que a receita nominal dos serviços desacelerou de forma considerável desde o fim do ano passado e há dois meses já avança abaixo da inflação. Em janeiro o indicador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) subiu 5,4%, contra um IPCA acumulado em 7,7%.
O presidente do conselho consultivo da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Sussumo Honda, diz que o setor, assim como a construção, também não tem contratado funcionários por salários menores, mas ressalta que a escassez de mão de obra que acabou empurrando as remunerações para cima em anos anteriores já não existe mais. No ano passado, de acordo com a entidade, o nível de emprego do setor supermercadista aumentou 0,7% no país, contando 1,765 milhão de funcionários.
A descompressão na relação entre os salários na economia formal como um todo, pondera o economista do Fator, tem se dado pela contratação de mão de obra mais barata para uma mesma função, mas não necessariamente na mesma empresa – já que a tendência apontada pelo próprio Caged é de ajuste no emprego, e não apenas nas remunerações.
// Fonte: Força Sindical