Crise chega, e famílias apertam o orçamento

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Com a maior inflação desde 2003, saque da poupança bate recorde

Nenhuma tempestade seria tão perfeita para o bolso das famílias. Já se esperava por um ano de ajustes na economia e de dificuldades, mas a conjunção de notícias econômicas ruins se avolumou. A inflação dos três primeiros meses, que será anunciada hoje pelo IBGE, deve ser a maior dos últimos 12 anos. As estimativas para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) giram em torno de 3,86% e 4,01% no acumulado do primeiro trimestre.

A alta dos preços, o agravamento da crise hídrica e a contaminação da economia pelos escândalos políticos pesam sobre as finanças das famílias. Os resultados já começam a ser percebidos: em março, houve o maior saque líquido de recursos da caderneta de poupança em um único mês em toda a série histórica do Banco Central (BC), iniciada em 1995: R$ 11,43 bilhões. Março foi o terceiro mês consecutivo de retirada líquida de recursos da poupança, que no trimestre soma retiradas líquidas de R$ 23,23 bilhões.
A inflação pesa mais no bolso dos brasileiros porque este ano está concentrada em itens básicos e de difícil substituição, como energia elétrica e alimentos, afetando diretamente as famílias.

Tarifas públicas ( energia, gás, telefone), aluguel, remédios, gastos com transporte público ( trem, ônibus e metrô) e alimentos já levam metade do orçamento das famílias. Boa parte desses itens sofrem intensa correção de preços neste ano, como a energia, que já subiu em média 39% neste ano e cuja previsão de alta é de quase 60% até o fim de 2015. Além disso, ônibus ( média nacional de 13,77% em doze meses até fevereiro) e alimentos ( 8,99%, no mesmo período) engrossam a lista de reajustes importantes em 2015, assim como o reajuste de remédios (em média, 6%).

Isso sem contar os serviços livres (escolas, salões de beleza, cinemas, oficinas, refeição em restaurantes, entre outros), que devem continuar com alta média acima da inflação. O resultado é um reforço do pessimismo. A expectativa dos consumidores medida pela Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra que o centro da inflação prevista pelos brasileiros para os 12 meses seguintes ficou em 8,4% em março, o maior valor da série histórica e a segunda vez em que as previsões superam os 8%.

— A economia está desaquecida e a política fiscal restringe o consumo. No médio prazo isso pode reduzir a demanda o que contribuirá para inibir o aumento dos preços dos serviços livres. No entanto, as pressões nos custos (aumento de energia, aluguel e salários) estão contribuindo para novos aumentos — afirma o economista André Braz, da FGV.

INADIMPLÊNCIA DEVE SUBIR

E não é só a inflação alta que assusta. As famílias sabiam que o ano seria ruim, mas não tanto, opina o economista Gilberto Braga, do Ibmec-RJ. Ele cita entre os “agravantes” as incertezas com a crise hídrica e os desdobramentos da Operação Lava-Jato, que investiga escândalos de corrupção envolvendo a Petrobras. O resultado foi a restrição ao poder de compra de bens.

— É um efeito psicológico bastante forte. Quem comprou um carro velho hoje diz que não pode usar porque o combustível está caro e que também não pode usar o ar-condicionado por causa da alta da tarifa de energia — avalia Braga.

Pesquisa da Fecomércio-RJ, mostra um consumidor mais cauteloso e que controla o orçamento doméstico na ponta do lápis. Em janeiro, 17,6% dos brasileiros disseram que pretendiam comprar algum bem durável nos três meses seguintes. No mesmo mês de 2014, esse percentual era de 18,1%. Na comparação com janeiro de 2013, os consumidores mostram uma redução forte na intenção de comprar carro, mas ainda mantêm o desejo de comprar um smartphone. A opção hoje é pela compra à vista. Com uma sobra menor no orçamento, muitos se preocupam em poupar.

— O consumidor está com o orçamento equilibrado, mas cauteloso — afirma João Gomes, superintendente de Economia da Fecomércio-RJ.

Outra pesquisa da Nielsen mostra que 64% das pessoas pensam em diminuir o lazer fora de casa e que 13% já estão economizando para pagar dívidas. O pessimismo do consumidor também aparece no item inflação, que saltou de décimo no ranking de principais preocupações do brasileiro em 2012 para o segundo lugar em 2014.

Para o diretor da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), Miguel Ribeiro de Oliveira, as famílias não estavam preparadas para uma conjunção tão ruim. Se em parte, a alta dos juros e a restrição ao crédito já eram conhecidas, o cenário se mostrou pior do que o imaginado durante a corrida eleitoral. Agora, diz ele, o aumento do desemprego pode levar os indicadores de inadimplência de pessoas físicas — atualmente em 5,4% — aos dois dígitos. O indicador registra os atrasos de mais de 90 dias.

— Já tivemos momentos de dificuldades, com problemas externos e internos, mas nunca tivemos uma conjunção de fatores como agora. Há um ambiente de elevação forte de preços da energia, de impostos, de retração econômica e de desemprego que começa a pipocar em vários segmentos — afirma Oliveira.

RENDA TAMBÉM ESTÁ EM QUEDA

Além da alta do desemprego, a queda real na renda, que já foi captada na pesquisa que abrange as principais regiões metropolitanas do país, tem impacto direto sobre o orçamento dos consumidores, avalia o economistachefe da INVX Global Partners, Eduardo Velho:
— É algo que não acontecia nos anos anteriores. A inflação em 12 meses já foi alta, mas o rendimento real não caía, o que fazia com que as famílias pudessem se proteger. O momento é ruim porque os rendimentos estão caindo, a massa real de salários está em queda e a expectativa de reajustes de ganhos reais é menor que entre 2012 e 2014.

O consultor financeiro Mauro Calil vê um cenário em que as famílias continuarão apertadas até o fim do ano. Ele argumenta que o aumento da energia, dos combustíveis e a desvalorização do real frente ao dólar ainda darão um impulso a repasses para os preços. Calil recomenda um plano de readequação dos gastos com adaptação de gastos com lazer, troca de marcas e idas mais frequentes a supermercados.

— Com um desemprego maior, um PIB negativo, o pior não passou e as famílias terão que apertar ainda mais o cinto ao longo do ano — afirma Calil.