Ao subir no palco do Oscar 2015 para receber o prêmio de melhor atriz coadjuvante pela atuação em “Boyhood — Da infância à juventude” na noite de anteontem, Patricia Arquette resolveu dividir os holofotes com uma causa que há anos mobiliza o universo feminino: a diferença nos salários pagos a homens e mulheres.
A afirmação de que “é hora de garantir a igualdade de pagamento de uma vez por todas nos Estados Unidos” ganhou a imensa audiência da premiação e ecoou pelo mundo. Tudo isso após um vazamento de informações por hackers já ter levantado essa discussão. Segundo os dados, a atriz Jennifer Lawrence, que já ganhou um Oscar, recebeu menos que os colegas homens na participação dos lucros do longa “A trapaça”. Ela teria ficado com 7% , enquanto os atores Christian Bale e Bradley Cooper e o diretor David Russell levaram 9%.
Mas essa realidade está longe de ser exclusiva de Hollywood. Tabulações feitas pelo GLOBO na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, mostram que o quadro não é muito diferente no Brasil. De 40 ocupações em que foi possível comprar salários de homens e mulheres para uma jornada de 40 horas semanais em 2013, em apenas duas elas ganham, em média, mais do que eles. A diferença, mesmo assim, é pequena. É o caso de produtores agrícolas, profissão em que mulheres são apenas 13% do total, e instrutores e professores de escolas livres, categoria que inclui professores de cursos diversos.
CARREIRAS UNIVERSITÁRIAS
A diferença a favor dos homens acontece tanto em carreiras de nível universitário (caso de médicos, advogados e professores do ensino superior), quanto naquelas em que a presença feminina é majoritária (costureiras, auxiliares de enfermagem ou recepcionistas).
Por outra pesquisa do IBGE, o Censo, que possui uma amostra de entrevistas muito maior, é possível comparar mais ocupações. Uma análise feita pelo GLOBO nos dados de 2010 mostra que, de 438 ocupações, em apenas 49 (11% do total) o rendimento feminino era maior.
Com a baixa participação de brasileiras na economia e na política, o país recuou nove posições no ranking de igualdade de gênero divulgado no ano passado pelo Fórum Econômico Mundial, ficando na 71ª posição em um total de 142 nações. No levantamento anterior, o país estava em 62º lugar. Atualmente, a Islândia é o país mais igualitário do mundo; enquanto o Iêmen, o mais desigual.
A coordenadora do Grupo de Pesquisa Gênero, Sexualidade e Sexo da Faculdade de Educação da UFMG, Adla Betsaida Martins Teixeira, utiliza sua própria área de atuação para exemplificar como funciona a engrenagem da desigualdade. Segundo ela, como as mulheres ainda precisam assumir a maior parte das responsabilidades domésticas, os pesquisadores homens conseguem conquistar titulações mais rapidamente. Logo, chegam aos cargos e salários mais altos com mais facilidade. E, uma vez no poder, tendem a seguir, dando mais visibilidade a projetos liderados por homens.
— A gente ainda está tateando esse mercado de trabalho e aprendendo a se impor. Ainda há muita gente que se submete a condições machistas para não perder uma oportunidade. Vejo várias mulheres da área de Ciências falando “finjo que não estou sendo cantada para não perder a colaboração num projeto”. É uma negociação silenciosa — ilustra.
Os dados apurados pelo GLOBO mostram que, mesmo nas profissões majoritariamente femininas, a diferença se faz presente. É o caso dos professores do ensino médio, em que as mulheres são 69% do quadro, mas os homens recebem, em média, 12% a mais.
Segundo a professora do Instituto de Economia da UFRJ Lena Lavinas, isso acontece porque carreiras majoritariamente femininas são desvalorizadas. Como consequência, os salários tendem a cair ainda mais.
— São necessários grandes investimentos públicos naquilo que libera o tempo delas, como escola em tempo integral, oferta de vagas em creche e, sobretudo, com o envelhecimento da população, programas que atendam às necessidades das pessoas idosas que hoje dependem das mulheres. Sem investimentos públicos de porte e sem mudanças nos valores patriarcais da sociedade, é praticamente impossível a igualdade de oportunidade entre homens e mulheres — defende.
A atitude de Patricia Arquette no Oscar repercutiu também no meio artístico brasileiro. Para a atriz Taís Araújo, foi um gesto corajoso e importante.
— O mundo todo assiste à premiação. Essa questão não se restringe ao mercado americano. É mundial. Mulheres recebem salários menores que homens que ocupam a mesma posição. Isso é resquício do machismo que existe no mundo.
Professora de fotografia do curso de Cinema da UFF, Nina Tedesco diz que essa desigualdade vai além do salário.
— Ainda tem muita gente que prefere trabalhar com operador de câmera homem, em vez de mulher, por achar que é mais forte. Além disso, em cursos de formação, professores falam que você tem que vestir determinadas roupas para evitar o assédio de homens — afirma.
// Fonte: Força Sindical