Diante da mais grave crise hídrica de toda a história do país, o debate sobre as alternativas emergenciais já não exclui a hipótese de racionamento da oferta de água nas principais regiões metropolitanas, a começar pela região Sudeste.
Apelos por ajuda à população também se multiplicam, assim como campanhas para que as pessoas economizem água.
Cada gota de água poupada é importante e gestos simples devem ser estimulados, como o fim de banhos demorados e a suspensão da lavagem de calçadas e carros. É necessário lembrar, porém, que os domicílios recebem apenas 10% da água coletada e tratada e que estudos indicam um problema ainda maior: o alto índice de perda de água nas próprias redes de distribuição, estimado em 37,5%, na média nacional.
Foi o que mostrou a edição de dezembro de 2014 da revista Em Discussão!, publicada pela Secretaria de Comunicação do Senado. O desperdício de água já tratada representa uma perda de mais de R$ 10 bilhões por ano, segundo estudo que resultou de parceria entre o Instituto Trata Brasil e a Universidade de São Paulo (USP), publicado em março de 2013. Além de agravar a escassez hídrica, essas perdas dificultam novos investimentos em abastecimento e saneamento, limitando a oferta de serviços essenciais à população.
A explicação, em boa parte, está nas tubulações antigas e mal conservadas, por onde a água escorre sem controle. Com desperdício tão elevado, as companhias acabam retirando do ambiente mais água do que realmente a população necessita. Além disso, há roubos e ligações clandestinas, ausência de medição ou medições incorretas, com impacto considerável sobre o faturamento das empresas.
Combate ao desperdício
Eduardo Suplicy (PT-SP), que está se despedindo do Senado agora em janeiro, considera inaceitável tanto desperdício. Por isso, cobra investimentos de todos os governos no combate às perdas físicas, por meio da troca de equipamentos, tubulações, hidrômetros e válvulas e redutores de pressão. Além disso, pede a execução de permanente varredura atrás de fraudes, com uso de equipamentos de alta tecnologia.
Segundo estratégia traçada pela Agência Nacional de Águas (ANA), na publicação Atlas Brasil — abastecimento urbano de água, todos os municípios teriam condições de reduzir as perdas para patamar de 30% até 2025. Para que essa meta possa ser alcançada, o órgão defende a aplicação de R$ 834 milhões em ações diversas.
Com redução de apenas 10% nas perdas, as operadoras já agregariam R$ 1,3 bilhão anuais às suas receitas. É o que indica o estudo do Instituto Trata Brasil e da USP, intitulado Perdas de Água: entraves ao avanço do saneamento básico e riscos de agravamento à escassez hídrica no Brasil.
“As perdas fazem com que mais água tenha que ser retirada da natureza para cobrir a ineficiência. É preciso que governo federal, governadores e prefeitos lutem por reduções de perdas desafiadoras, pois certamente resultarão em recursos financeiros para levar água potável e esgotamento sanitário a quem não tem”, avalia Édison Carlos, presidente-executivo do Instituto Trata Brasil.
Ação parlamentar
A preocupação com a ameaça de racionamento e a redução da disponibilidade mesmo em médias e pequenas cidades vem mobilizando a atenção dos senadores em diferentes frentes. Em 2014, os parlamentares realizaram audiências para ouvir especialistas e dirigentes públicos. Também avançaram na votação de propostas legislativas que ajudam a promover o uso racional de recursos hídricos.
Como alternativa para diminuir o uso de água tratada, um dos projetos, o PLS 112/2013, torna obrigatória a coleta, o armazenamento e o uso de águas pluviais para irrigar áreas verdes e lavar calçadas, com previsão de estrutura adequada nos novos condomínios residenciais e comerciais, hospitais e escolas.
O texto do senador João Durval (PDT-BA), que também encerra seu mandato neste mês, ainda sugere incentivos tarifários para que condomínios e domicílios individuais adotem medidas com o fim de acabar com vazamentos e instalem dispositivos que economizam água, como vasos sanitários com descarga reduzida.
O projeto já passou pelas Comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e de Assuntos Sociais (CAS). Agora, aguarda deliberação da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), onde será votado em decisão terminativa.
Não se pode esperar, contudo, resultados imediatos de quaisquer das soluções cogitadas, como a diminuição do desperdício nas redes de distribuição. Assim, a atual crise hídrica, que também afeta a produção energética, baseada majoritariamente em fontes hidráulicas, poderá exigir esforços de adaptação inéditos para a maioria dos brasileiros, à exceção dos nordestinos, já familiarizados à escassez de água.
Agência Senado