O grupo de trabalho: Ditadura e repressão aos trabalhadores e ao movimento sindical, GT dos Trabalhadores, fundado em junho de 2013 para mobilizar os trabalhadores a contribuírem com a Comissão Nacional da Verdade, entregou à representante da Comissão, Drª Rosa Cardoso, a conclusão de seus trabalhos, no dia 08 de dezembro de 2014. O artigo integra o relatório final da Comissão, constituindo um capítulo da mesma.
A conclusão dos trabalhos dos 13 grupos, bem como de toda a comissão, sistematizada no relatório final, foi entregue à presidenta Dilma Rousseff no dia 10 de dezembro de 2014 .
São mais de três mil páginas com informações sobre os órgãos e procedimentos de repressão política, além de conexões internacionais, como a Operação Condor.
A apuração dos fatos levantados comprovou que, entre 1946 e 1988, ocorreram violações aos direitos humanos como: detenções ilegais e arbitrárias, a prática de tortura, execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres por agentes do Estado brasileiro. São apontadas 434 mortes e desaparecimentos de vítimas da ditadura militar no país, e mais de 300 pessoas, entre militares, agentes do Estado e até mesmo ex-presidentes da República, foram responsabilizadas.
O relatório afirma ainda que muitas destas violações permanecem nos dias atuais, e que hoje em dia crescem as denúncias de casos de tortura.
Violações aos direitos no meio sindical – a classe trabalhadora como vítima.
O documento produzido a partir da pesquisa do GT dos Trabalhadores consiste no texto dois, do segundo volume do relatório final. O documento foi elaborado pela conselheira Rosa Maria Cardoso da Cunha, com a colaboração de representantes de dez centrais sindicais brasileiras .
O texto afirma que “a classe trabalhadora e o movimento sindical foram alvos primordiais do golpe de Estado de 1964, das ações antecedentes dos golpistas e da ditadura civil militar” , ressaltando o legado da ditadura do Estado Novo (1937/1945) e do governo repressivo de Dutra . Importantes categorias foram atingidas como metalúrgicos, petroleiros, gráficos, bancários, jornalistas, ferroviários, comerciários etc.
No período estudado pela CNV – 1946 a 1988 – contrapunham-se na política brasileira, dois projetos antagônicos sobre a condução da sociedade. Vale lembrar, neste ponto, que esta contraposição estava relacionada ao contexto internacional da Guerra Fria (1945/1989), no qual Estados Unidos e União Soviética disputaram a influência ideológica sobre territórios.
De um lado havia aqueles que lutavam pelas reformas de base, ao lado do presidente Joao Goulart, e do outro, aqueles que apoiavam a chamada “modernização conservadora” protagonizada pela classe empresarial urbana. A classe trabalhadora, expressa no Comando Geral dos Trabalhadores, o CGT, criado em 1962, apoiava as reformas de base de Jango.
Desde as primeiras horas do golpe, na madrugada de 31 de março para 1º de abril de 1964, duros ataques voltaram-se contra as organizações sindicais: “Intervenções em direções sindicais, depredação de sedes de entidades, prisões, torturas, execuções foram acontecimentos reiterados e sistemáticos” .
Somente entre março e abril de 1964, a ditadura nomeou 235 interventores nos sindicatos . No total o ano de 1964 somaria a intervenção do ministério do trabalho em 409 sindicatos e 43 federações. Entre 1964 e 1970 o número de sindicatos atingidos pela repressão chegou a 536, e a estimativa de dirigentes cassados neste período é de dez mil . “Na base do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, por exemplo, foi estimado em 1.800 o número de delegados denunciados pelos interventores após o golpe” .
Segundo o relatório as regiões mais prejudicadas foram: o Nordeste, 42%, e o Sudeste, com 39,55%, sendo Pernambuco e São Paulo os Estados que sofreram maior repressão nos primeiros anos de instalação da ditadura.
Práticas sindicais comuns como panfletagens, greves, comissões de fábrica, CIPAS, muitas vezes únicas oportunidades de organização e ação política, tornaram-se muito arriscadas naquele contexto, com consequências como demissão, dificuldade de reinserção no mercado de trabalho e perseguição política. O cerceamento era tal que as entrevistas de empregos traziam perguntas como: “Que jornal você lê?”, “Você é sócio do Sindicato?” ou, “Qual a sua religião?”.
Sobre as mudanças na legislação o capítulo afirma que a ditadura “aprimorou e ampliou o que havia de mais repressivo na CLT”, acrescentando decretos que visavam “aumentar o controle estatal sobre as organizações sindicais” .
Porém não é consenso entre os sindicalistas que a legislação trabalhista, vigente até os dias de hoje, serve unicamente para o controle do Estado sobre o trabalhador. Embora durante a ditadura militar nossa CLT possa ter sido distorcida em favor dos interesses do capital, ela é uma das melhores e mais completas do mundo. E seus benefícios são também reconhecidos no documento, ainda que indiretamente, quando este denuncia perdas ou falta de acesso a estes direitos por parte dos trabalhadores .
O documento ressalta, como uma medida prejudicial à organização sindical, a regulamentação do direito de greve pela Lei 4.330, de julho de 1964, apelidada pelos trabalhadores de Lei anti-greve. A partir de então o Ministério da Fazenda desencadearia uma série de critérios e decretos para a política salarial, fazendo com que os salários não acompanhassem o aumento da inflação, nem o aumento da produtividade. Instituiu-se daí o famigerado arrocho salarial que, segundo o documento, foi o cerne do “modelo brasileiro de desenvolvimento da ditadura civil militar de 1964-1985” .
Sobre a violência promovida pela ditadura o documento afirma que os militares disseminavam a produção do terror como forma de intimidação, uma vez que se sabia que a tortura não produziria informação significativa.
Para ilustrar esta prática o texto cita como exemplos os casos de Joaquim Alencar de Seixas, mecânico de aviação, preso em abril de 1971, e torturado, junto com seu filho, Ivan Seixas, então com 16 anos, Vito Giannotti, da fábrica Máquinas Piratininga, 1978, Jerônimo Alves, da Lorenzetti, 1971, João Chile, na Bardella, 1971, Raimundo Moreira, da Metalúrgica Carmo, Arleide Alves, Metalúrgica Colmeia, Lúcio Bellentani, Volkswagen, Pedro Machado Alves (de Porto Alegre), Santo Dias, Olava Hanssen e Manoel Fiel Filho.
O documento aponta como episódio emblemático da repressão a detenção de trabalhadores no navio Raul Soares: “Em 1964, quando já não navegava mais, foi rebocado por ordem militar até um barco de areia na ilha do Barnabé, em Santos, para receber a primeira leva de passageiros compulsórios – 40 sargentos. Exército que se opuseram ao golpe. Outros mais, militares, civis, dirigentes sindicais, jornalistas e advogados vinculados aos sindicatos dos trabalhadores chegaram depois, totalizando 500 presos políticos, em média, sem processo legal” .
As greves nos Sindicatos dos Metalúrgicos de Contagem (MG) e dos Metalúrgicos de Osasco (SP), ambas em 1968, reprimidas duramente e que resultaram em centenas de operários presos, são citadas com destaque. Também foi destacada no texto a greve do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, em 1979, na qual foram presos 346 trabalhadores, e que levou ao assassinato do metalúrgico Santo Dias.
Além disso, o documento aponta o massacre no garimpo de Serra Pelada, no Pará, em dezembro de 1987, já na reabertura democrática, como um dos mais violentos do período estudado. Na ocasião ocorreram “violências seriais perpetradas pela Polícia Militar do Estado, atingindo homens, mulheres e crianças, e resultando em um grande numero de mortos e desaparecidos” . Esta violência foi se deu em prol dos interesses de uma associação de empresas nacionais e estrangeiras que, para ter o domínio da exploração, investiram na expulsão dos populares do garimpo.
As torturas, mortes e tantas outras violações aos direitos elementares do ser humano, praticadas pela ditadura foram consequências macabras de um projeto maior. Seu projeto era desarticular os movimentos sociais, os partidos de esquerda e os setores progressistas do país, para implementar uma política neoliberal, atrelada aos EUA. Quanto a isso a ditadura brasileira conseguiu promover vinte anos de atraso, que prejudicaram todo o povo brasileiro.
Ao relatar os fatos, a Comissão Nacional da Verdade presta um serviço à história do nosso país, não deixando que a sociedade se esqueça daqueles que foram capazes de defender a democracia e buscando aprender com aquelas duras experiências.
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João Carlos Gonçalves (Juruna), Secretário Geral da Força Sindical, Ruth Coelho Monteiro, Secretário de Direitos Humanos da Força Sindical e Milton Baptista de Souza (Cavalo), Secretário de Cultura e Memória da Força Sindical, membros do GT dos Trabalhadores da Comissão Nacional da Verdade.
// Fonte: Força Sindical