Qualidade de vida de idosos brasileiros está abaixo da média global, mostra relatório

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Pesquisa divulgada no Dia Internacional do Idoso coloca o Brasil em 58º lugar numa lista de 96 nações avaliadas

Movimentação no terminal de ônibus da Central do Brasil. Idosos criticam acesso a transporte público, um dos piores índices do relatório do Global AgeWatch Index, que reúne dados de 96 países, como o Brasil

Inseguros, empobrecidos, com dificuldade de locomoção, acesso precário à saúde, à educação e a outros serviços. A má qualidade de vida dos idosos brasileiros é uma realidade que pode ser notada diariamente, tanto nas grandes cidades quanto na zona rural. Mas uma pesquisa global a ser divulgada hoje, Dia Internacional do Idoso, traduz esse quadro em números e coloca o Brasil em 58º lugar numa lista de 96 nações avaliadas, atrás mesmo de países reconhecidamente mais pobres, como Bolívia, Equador e El Salvador.

Quem tem mais de 60 anos atualmente está numa faixa que engloba 11,5% da população brasileira. Em 2050, serão 29%. Apesar disso, as políticas públicas não têm sido suficientes para atender a essas pessoas. Segundo o relatório Global AgeWatch Index, que levou em conta a opinião de mil idosos entrevistados no país — e outros milhares nos demais 95 países avaliados —, as piores notas do país são relativas a segurança e transporte público.

NORUEGA ESTÁ NO TOPO

Nas primeiras posições figuram Noruega, Suécia, Suíça, Canadá e Alemanha. Enquanto isto, o último do ranking é o Afeganistão, seguido por Moçambique, Cisjordânia e Gaza, Malauí e Tanzânia. Atualmente, mais de 60% das pessoas acima de 60 anos vivem em países de baixa e média rendas; e em 2050, serão 80%.

“O índice ressalta esse descompasso entre os avanços em termos de longevidade e um atraso nas políticas públicas que empoderam as pessoas mais velhas”, comentou Asghar Zaidi, do Centro de Pesquisa de Envelhecimento da Universidade de Southampton (Reino Unido), que coordenou o estudo em parceria com a ONG

O documento é o único que mede o bem-estar dos idosos no mundo e surgiu exatamente como uma forma de avaliar e pressionar os países na implementação de ações. Trata-se da compilação de dados produzidos pelo Banco Mundial e pelas agências especializadas da ONU, como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Outra parte do trabalho leva em conta a percepção dos próprios idosos sobre seu dia a dia. Ele mede itens como renda, saúde, seguridade social, emprego, educação, segurança e transporte.

— O idoso tem se sentido inseguro. Os piores índices do relatório têm a ver com a violência urbana e a falta de acessibilidade e transporte. Ele está mais recluso, com medo de sair de casa — comentou a gerontóloga Laura Machado, membro do conselho da HelpAge International.

Essa insegurança faz parte da rotina da pastora evangélica Antonia Dietz, de 67 anos, que costuma trafegar de São Cristóvão a Copacabana.

— O transporte é horrível. Já tomei dois tombos porque os motoristas não esperam a gente descer. Eu fico uma hora esperando, muitas vezes eles passam por fora e não param no ponto — reclama Antonia, que acrescenta. — E assalto, então, acontece toda hora. Eu chego em casa todos os dias à meia-noite ou à uma da manhã, porque visito hospitais. Minha filha fica superpreocupada. Fui assaltada uma vez, levaram todo o meu dinheiro.

Laura Machado lembra que o Brasil aprovou a Política Nacional do Idoso em 1994 e o Estatuto do Idoso em 2003. Embora sejam eficientes na teoria, ela critica que, na prática, a causa foi deixada de lado nos últimos anos.

— Depois do Estatuto do Idoso, está muito claro que nada foi feito. Ambos os documentos ficaram esquecidos — cobrou.

Este é o segundo ano em que o relatório é divulgado. Em 2013, o Brasil ficou na 31ª posição. A diferença ocorreu, entre outros fatores, segundo a porta-voz da ONG, por ajustes na metodologia. Desta vez, levou-se mais em conta a percepção dos idosos, o que foi avaliado por entrevistas pessoais com cerca de mil brasileiros. No último ano, uma onda de protestos levantou debates e trouxe à tona uma insatisfação generalizada na sociedade com os serviços. Laura enfatiza que o Brasil teve a maior queda de todos os demais países no ranking. E que outros governos vêm fazendo o seu dever de casa, por exemplo os da América Latina:

— Alguns países não tinham uma cobertura universal de seguridade social, como o México e o Panamá, que avançaram nesse quesito nos últimos anos, enquanto no Brasil isso já estava mais consolidado.

A seguridade social atinge 86% dos idosos brasileiros, a melhor nota do país no relatório. Já a satisfação com a segurança caiu de 51% para 28%. E, com o transporte público, 45%.

Nos outros 55% descontentes com o serviço de mobilidade urbana estão o motorista Hélio de Almeida, de 66 anos, e a aposentada Célia Maria Costa, de 78. Desrespeito de motoristas e dos próprios passageiros é o ponto mais ressaltado pelos dois idosos.

— Eles acham que os idosos estão trapaceando. A gente faz sinal, eles não param — Hélio reclama.

Para o presidente do Centro de Longevidade Internacional e um dos embaixadores da HelpAge no país, Alexandre Kalache, a situação dos idosos, embora ainda precária, já avançou bastante em comparação com os vizinhos latinos, por exemplo no acesso à saúde e à seguridade social. Por outro lado, ele concorda que há uma desigualdade grande de países mais pobres e emergentes quando comparados aos de mais alta renda.

— Os países desenvolvidos enriqueceram antes de envelhecer. Nós estamos envelhecendo muito mais rapidamente do que eles no passado, mas ainda com bolsões de pobreza, até de miséria — afirma Kalache, que exemplifica: — Os recursos públicos são disputados por uma infinidade de demandas, desde a saúde e educação à infraestrutura e à geração de emprego digno, que já haviam sido em grande parte atendidas quando os países da Europa Ocidental, por exemplo, envelheceram.

ONU DÁ MAIS ATENÇÃO A ESSA POPULAÇÃO

Ainda assim, Kalache tem uma visão positiva sobre a nova geração de idosos no país, que, segundo ele, será bem diferente da atual: “mais bem informada, com melhores níveis de saúde, mais articulados e exigentes”, projeta.

Na prática, algumas mudanças já vêm sendo forçadas no âmbito global. Ativistas e representantes de países buscam incluir na convenção da ONU os direitos dos idosos, que ficaram de fora das Metas do Milênio, cujo prazo de aplicação termina ano que vem. Um novo documento, a Agenda Pós 2015, será ratificado em novembro pelo secretário geral da ONU, Ban Ki-moon. Desta vez, as pessoas mais velhas já fazem parte do texto, por exemplo quando se fala da necessidade de acesso a transporte, proteção social, infraestrutura e nutrição.

— As palavras “idade” ou “idoso” não apareciam nem na Declaração Universal dos Direitos Humanos. E, há poucos meses, não estava também no Pós-2015. Isso é um grande avanço — comemorou Laura Machado.

// Fonte: Força Sindical