Calote das empresas ao FGTS aumentou 42% em 2013, mostra levantamento

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O número de novas dívidas de empresas com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) deu um salto de 42% no ano passado. Foram 18.858 a mais em 2013 contra 13.273 novos registros em 2012. Foi o maior acréscimo desde 2007, quando foram computados 26.162 casos de quem deixou de fazer algum dos pagamentos mensais de 8% sobre o salário dos empregados, mostra estudo do Instituto Fundo Devido ao Trabalhador, feito com exclusividade para o GLOBO. De modo geral, cada dívida se refere a uma empresa, mas em alguns casos pode ser que uma mesma companhia sofra mais de um processo de cobrança.

Com isso, o número total de dívidas a serem cobradas pelo FGTS encerrou 2013 em 384.834. Só para se ter uma ideia, 3,3 milhões de empresas que pagam ao fundo atualmente. Com isso, a dívida total avançou 9,04%, passando de R$ 18,8 bilhões de 2012 para R$ 20,5 bilhões em 2013, de acordo com o Relatório de Gestão de 2013 do FGTS, espécie de balanço do fundo, publicado no fim do mês passado.

Para os especialistas, o aumento do calote está ligado ao cenário econômico adverso, que dificulta a vida das empresas, somado às condições de renegociação da dívida com fundo, bem mais favoráveis do que outros débitos. Assim, dizem, é mais vantajoso deixar de depositar o FGTS do que atrasar o pagamento de fornecedores, salários ou empréstimos bancários.

— A dívida das empresas com o FGTS só prescreve depois de 30 anos, ou seja, se ela não pagar até lá deixa de existir. E a prática da Caixa tem sido só inscrever na dívida ativa, que é quando a multa fica maior e há uma cobrança mais rígida, quando faltam um ou dois anos para a prescrição. Na prática, é como se a empresa tivesse um prazo de 30 anos para pagar. E quando um trabalhador é demitido ou vai sacar o fundo, a empresa corre e regulariza só a situação dele — diz Mário Avelino, presidente Instituto Fundo devido ao Trabalhador, antigo FGTS-Fácil. O nome precisou ser mudado por causa de ação judicial movida pelo governo para impedir o uso da palavra FGTS no nome do instituto.

Especialista em ações trabalhistas, o advogado Ricardo Belasi observa no escritório o reflexo desse aumento da falta de depósitos do Fundo.

— A falta do FGTS vem crescendo muito e, o pior, é que o trabalhador, só percebe quando vai sacar. Em geral, o perfil dos devedores são microempresas ou empresas de pequeno e médio porte, que estão passando por dificuldades financeiras, sufocadas por carga tributária elevada ou sofrendo queda de receita, optam por deixar de pagar o FGTS. Não podem deixar de pagar os impostos porque o governo vem em cima, nem fornecedores. Então, tiram da parte mais fraca, que é o trabalhador — diz Belasi.

POUCOS VÃO À JUSTIÇA

Pelas contas do advogado, acaba sendo mais vantajoso para muitas empresas deixar de fazer os depósitos porque, na maioria dos casos, o trabalhador só percebe a falta dos depósitos quando sai da empresa e tem como única opção recorrer à Justiça.

— A maior parte do problema tem ocorrido com pessoas com menos de um ano de casa, porque a demissão não precisa ser homologada no sindicato. Como a pessoa acumula em média um salário por ano trabalhado e ainda vai ter que pagar de 20% a 30% para o advogado, a maioria desiste. E quando há o processo, ainda costuma haver acordo, o pagamento pode ser parcelado — diz.

Pela ótica das empresas, a Confederação Nacional do Comércio (CNC) acrescenta a alta das taxas de juros e baixo crescimento econômico como fatores para justificar ocorrências de falta de depósitos nas contas do fundo.

— É um efeito subterrâneo da economia fraca. As empresas estão muito apertadas e, sobretudo pelo juro alto, estão deixando de cumprir algumas obrigações para manter outras. Numa casa, quando o orçamento estoura as pessoas fazem o mesmo: não deixam de pagar a conta de luz porque senão é cortada. Mas atrasam o IPTU, que pode ser pago depois sem maiores problemas. Com as empresas, ocorre o mesmo: não estão aguentando recorrer aos bancos para fazer capital de giro e não podem deixar de pagar para não perder o crédito e nem o fornecedor, porque senão a atividade para. Não é maldade do empresário, é dificuldade — explica o economista-chefe da CNC, Carlos Tadeu de Freitas.

METADE DO CUSTO DO EMPRÉSTIMO

Segundo ele, o comércio sofre ainda mais com juros altos, porque não conta com linhas de créditos subsidiadas, como algumas que são oferecidas à indústria pelo BNDES. Simulação feita pelo Instituto Fundo Devido ao Trabalhador mostra que um empresário que tivesse um depósito de R$ 10 mil para fazer no FGTS em 7 de outubro de 2009 (relativo aos salários de setembro) e fosse acertar essa conta hoje, pagaria um total de R$ 14.417,93.

Desse valor, 11.907,94 iriam para a conta do tralhadores porque representam o principal e a correção do período e o restante, R$ 2.509,74 são multas que ajudam a formar o lucro do FGTS, que no ano passado chegou a R$ 9,2 bilhões.

Outro cálculo, feito pela CNC, mostra que se um empresário tomasse um empréstimo de R$ 10 mil em outubro de 2009, pagando a taxa de juros cobradas das pessoas jurídicas, de 22,1% ao ano em média, sua dívida hoje seria de R$ 27.127,19, quase o dobro do valor devido do FGTS.

— É muito mais barato atrasar o FGTS. O detalhe é que diferente do que acontece na Previdência. Mesmo se a empresa não pagar o INSS, o governo garante a aposentadoria. No FGTS, quando a empresa não deposita, o prejuízo fica com o trabalhador. E quando as empresas atrasam, é bom para o governo porque a multa vai para a conta patrimônio que pode ser usada para financiar obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), por exemplo. Só no ano passado, foram arrecadados R$ 700 milhões em multas. Por isso, é preciso acompanhar se os depósitos estão sendo feitos, porque senão o trabalhador não tem aquele dinheiro com que estava contando quando é demitido — ressalta Avelino.

Uma das propostas para reduzir o endividamento é o projeto de Lei 581, que tramita no Senado e propõe reduzir o prazo de prescrição das dívidas com o fundo de 30 anos para um ano e assim, acelerar o início de processo de cobrança judicial e inclusão das empresas na dívida ativa.

Foi exatamente o que aconteceu com o motoboy Orisvaldo Ribeiro Nobre, 34 anos, demitido em fevereiro, depois de dois anos de trabalho como entregador de uma empresa de refeições.

— Eles me pagaram o salário, aviso-prévio e tudo, mas quando fui na Caixa puxar o extrato do FGTS vi que não tinha quase nada. No ano passado, praticamente não tinha depósito nenhum. Isso me atrapalhou muito porque eu estava com um bebezinho de dias em casa e precisava deste dinheiro para viver até conseguir outro emprego. Já se passaram seis meses, já estou trabalhando de novo em dois empregos e entrei na Justiça para reaver meu FGTS — conta o motoboy, que calcula ter cerca de R$ 2 mil para receber.

CAIXA RECEBEU R$ 3,4 BILHÕES

A Caixa Econômica Federal recebeu do fundo R$ 3,4 bilhões no ano passado pelo serviço de gestão das cerca de 239,9 milhões de contas do FGTS . O valor corresponde a 1% do patrimônio do fundo de mais de R$ 300 bilhões e foi fixado pelo Conselho Curador do FGTS.

Procurada, a Caixa informou que comentários sobre o tema seriam feitos pelo Ministério do Trabalho, que enviou nota informando que, no ano passado, foram fiscalizadas 275.139 empresas, contra 269.025 em 2012. Nesse trabalho, os fiscais encontraram 375,4 mil trabalhadores registrados corretamente e 717 mil em situação irregular.

O Ministério destacou ainda que, dos R$ 20,5 bilhões de dívidas das empresas com o fundo, há R$ 3,8 bilhões em fase de recuperação, ou seja, houve negociação com as empresas para pagamento parcelado da dívida. Os outros R$ 16,7 bilhões ainda precisam ser recuperados e destes há R$ 864,1 mil inscritos na dívida ativa, o que representa 26,4 mil num universo de 384,8 mil empresas com pagamentos atrasados.

Para evitar problemas com a falta do saldo, o Ministério aconselha que o “trabalhador acompanhe os recolhimentos do FGTS, por meio dos extratos enviados regularmente, pela internet ou ainda com a opção de acompanhamento pelo celular, via SMS” e denuncie os casos de falta de recolhimento.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Serviço de Apoio a Micro e Pequena Empresa (Sebrae), que também representa as empresas, não comentaram o salto nas dívidas com o FGTS.

// Fonte: Força Sindical