Levantamento do Iedi mostra que produção caiu em 12 de 23 segmentos nos últimos seis anos
Mesmo com desonerações bilionárias, redução de juros e incentivos ao crédito e ao investimento, mais de metade dos principais setores da indústria ainda não conseguiu se recuperar da crise mundial de 2008. Isso é o que mostra levantamento elaborado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) com exclusividade para o GLOBO. O trabalho analisa o desempenho da produção de 23 setores da indústria nos últimos seis anos. Deste total, 12 apresentaram queda. É o caso da indústria têxtil (-29,6%), de fabricação de produtos de informática, eletrônicos e ópticos (-25,1%) e veículos (-24,3%).
— A produção de vários setores ainda não voltou ao nível pré-crise. É algo muito forte. Isso mostra que houve uma desindustrialização — afirma o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Júlio Sérgio Gomes de Almeida, que participou da elaboração do estudo.
Para Almeida, o resultado ruim é uma combinação de baixa produtividade e concorrência internacional acirrada, especialmente com a China, e desaquecimento da economia global. O presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein, tem a mesma avaliação e destaca que esses problemas criaram um desânimo generalizado entre os empresários. Para ele, a perspectiva de qualquer melhora ainda está distante:
— No setor de calçados, houve queda de 7,7% no nível de emprego este ano e os investimentos caíram. Houve uma clara desindustrialização e não há sinal de reversão do quadro a curto prazo.
Klein avalia que o governo agiu corretamente para tentar minimizar os efeitos da crise sobre a indústria, mas ainda deixou a desejar:
— A desoneração da folha de pagamento das empresas, por exemplo, foi boa, mas o Reintegra (que concede créditos tributários aos exportadores) teve problemas — disse.
— Existe uma desindustrialização que aumenta a cada dia — afirma o diretor superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções (Abit), Fernando Pimentel. — Há um desalento com o quadro atual.
Para Pimentel, os problemas internacionais surgidos com a crise de 2008 se agravaram pelas fragilidades internas do Brasil, como carga tributária alta e complexa e deficiência de infraestrutura. Ele também aponta problemas na política externa:
— Nossas relações internacionais nos deixaram amarrados no Mercosul e fizemos acordos comerciais com países de mercado pequeno.
Os empresários reclamam do aumento nas importações. Para Luiz Fernando D’Aguiar, diretor-executivo da Werner Tecidos, isso prejudicou a indústria nacional.
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— A Werner vende tecidos de alta moda. Outras empresas que fabricam tecidos mais baratos sofreram um impacto violento vindo da China porque o volume de produção lá é muito alto e barato, apesar de a qualidade não ser tão boa. Não tem como a indústria brasileira competir com a chinesa — afirma.
Sandra Oliveira, uma das sócias da Confecção Camarim, fornecedora de roupa para lojas conceituadas do Rio e de São Paulo, também atribui a queda do setor ao maior volume de importação de países como China e Índia e pondera que os altos custos da matéria-prima do país, de impostos e de mão de obra torna a competição mais difícil. O setor de confecção tem perdas de 18,7% desde 2008, segundo o Iedi.
— É a crise mais forte desde que estou neste ramo — diz Sandra, que trabalha no setor há mais de 20 anos.
O presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, por sua vez, tem uma visão mais otimista. Representante do setor que mais recebeu ajuda do governo desde a crise — com desonerações de IPI, proteção de indústria nacional e medidas para estimular o crédito para a compra de automóveis — ele considera que o pessimismo dos empresários está relacionado ao fraco desempenho da economia no primeiro semestre de 2014, que foi agravado pelo fato de a Copa do Mundo ter reduzido o número de dias úteis, afetando a produção e as vendas:
— Alguns de nossos indicadores internos mostram que teremos um segundo semestre melhor.
cosméticos e bebidas avançam com classe média
O cenário dos últimos seis anos não foi ruim para todos os setores. O trabalho do Iedi destaca que alguns conseguiram superar a crise e elevar sua produção. Neste grupo, estão a fabricação de produtos de limpeza e cosméticos (com alta de 18,7% nos últimos seis anos) e bebidas (21,6%). Segundo o ex-secretário, esse resultado se deve principalmente ao surgimento da nova classe média:
— Quem se deu bem nesse período, o fez por causa da classe C, que está consumindo mais.
O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), João Carlos Basilio, destaca que esse fenômeno ajudou a preservar as empresas desse segmento no Brasil:
— Vimos maior acesso das classes D e E a esse tipo de produtos e também a classe C buscando itens de maior valor agregado.
Mesmo assim, o presidente da Abihpec vê com preocupação o quadro atual da economia, lembrando que está difícil fazer projetos de investimento de longo prazo no Brasil.
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A equipe econômica se defende afirmando que o clima de pessimismo não é prerrogativa brasileira e se deve ao fraco desempenho da economia mundial. Segundo os técnicos, no Brasil, há ainda o agravante do cenário eleitoral, que cria incertezas.
— A crise internacional bateu em cheio na indústria de transformação. Quando exportam menos, as empresas ficam com estoques e se não conseguem vendê-los no mercado doméstico, isso afeta o emprego e a produção — afirmou um técnico do governo.
Mesmo assim, o Ministério da Fazenda acredita que o quadro tende a melhorar já no segundo semestre de 2014. Ao anunciar incentivos ao crédito na última quarta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que a confiança dos consumidores está aumentando, o que deve elevar o consumo e reduzir os estoques.
// Fonte: Força Sindical