Os servidores reclamam que o reajuste não foi suficiente para manter o poder de compra no período entre 2012 e 2014. As perdas alegadas variam de acordo com o índice usado
Com inflação acima do centro da meta e o tema do ajuste fiscal ganhando protagonismo na campanha ao Palácio do Planalto, o próximo presidente da República enfrentará mais uma dificuldade para cumprir a promessa de colocar as contas em dia: a pressão do funcionalismo público por reajustes salariais.
No início do próximo ano, grande parte dos servidores federais receberão a última parcela de um reajuste acordado em 2012, quando a presidente Dilma Rousseff autorizou aumento de 15,8%, dividido em três anos.
Se na época o percentual foi bem acolhido pelos contemplados, dois anos de inflação batendo no teto da meta foram suficientes para disseminar a insatisfação entre praticamente todas as categorias dos três poderes.
Os servidores reclamam que o reajuste não foi suficiente para manter o poder de compra no período entre 2012 e 2014. As perdas alegadas variam de acordo com o índice usado.
Cálculo feito pela consultoria Tendências a pedido do Valor mostra que a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulará no triênio 19,35% (considerando a projeção para este ano do Boletim Focus, do Banco Central). Isso significa que o reajuste deixou de cobrir 3,06% da inflação do período, de acordo com as ponderações feitas pela consultoria.
A pressão por novos aumentos, que incluirá greves e paralisações, deve se intensificar já no primeiro semestre de 2015, a tempo de incluir qualquer mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que tem de ser votada até o final julho.
O funcionalismo insatisfeito pode causar estragos do ponto de vista fiscal. Em 2012, o reajuste representou impacto de R$ 30 bilhões apenas para o Executivo.
“No ano que vem, a tendência é termos um acirramento dessa demanda”, diz o secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Sérgio Ronaldo da Silva.
No Congresso Nacional, o governo trabalha para barrar a chamada PEC dos Magistrados, que prevê reajustes automáticos a juízes e desembargadores, mesmo se ultrapassado o teto constitucional. O custo calculado pela equipe econômica é de R$ 3 bilhões por ano caso o projeto seja aprovado. Além disso, servidores do Judiciário articulam aprovação de projeto que prevê reajuste de mais de 40%.
Algumas categorias não esperaram o fim do acordo para reivindicar novo aumento, como funcionários do IBGE, Ministério da Cultura e técnicos administrativos das universidades federais, que estão em greve ainda na vigência do acordo. Integrantes da Polícia Federal e da Receita Federal foram impedidos pela Justiça de parar durante a Copa do Mundo.
Para este ano, porém, a previsão é de que sejam feitas apenas paralisações pontuais, já que novas greves não seriam frutíferas: a lei eleitoral impede a concessão de reajustes a partir de 4 de julho. Antes do prazo final, Dilma sancionou lei que dá reajuste a servidores de agências e incluiu os agentes da Polícia Federal no acordo de 2012.
O secretário de Relações do Trabalho do Ministério do Planejamento, Sérgio Mendonça, explicou que novos aumentos não serão dados na vigência do acordo e, mesmo em um novo ciclo, devem ser discutidos considerando o espaço fiscal.
“É importante dar um passo forte em direção a ter regras mais claras em relação a reajustes para evitar essa tensão que temos pela frente. Nós não vamos ter um ciclo fiscal abundante, a não ser que nós sejamos surpreendidos por um aumento forte do crescimento econômico, mas mesmo que aconteça não vai pular para crescimento chinês”, disse.
O secretário refuta o argumento dos funcionários públicos de que o reajuste de 2012 resultou em perda e diz que a política é olhar os benefícios acumulados nos doze anos de governo petista. “O pessoal se acostumou com o período de bonança”, afirma. “Os primeiros oito anos foram mais favoráveis para recuperar o passado, a política dura do governo FHC, era um contexto diferente. Não poderia continuar desse jeito”.
Mendonça cita como exemplo o crescimento da folha apenas com os civis do poder Executivo, que foi de 224% entre 2002 e 2014, enquanto a inflação do período subiu 87%. A proposta do governo é, no próximo ano, discutir no Congresso Nacional mais poder para a chamada “mesa de negociação”, entre ministérios e servidores, institucionalizando acordos mais longos e regulamentando greves durante a vigência do acordo.
Representantes dos servidores públicos reclamam que, assim como os reajustes, a tolerância e o diálogo também diminuíram no governo Dilma. Seu antecessor, o ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, reestruturou carreiras, principalmente as consideradas típicas de Estado, como analistas da Receita Federal e do Tesouro Nacional, e concedeu aumentos de mais de 50% a um funcionalismo que reclamava de arrocho salarial nos anos FHC.
“O presidente Lula tinha uma relação muito mais próxima, a ministra [do planejamento, Miriam Belchior] é muito dura e intransigente”, afirma a presidente do Sindicato dos Analistas Tributários da Receita Federal (Sindireceita), Sílvia de Alencar.
As mesmas categorias priorizadas no governo Lula reclamam agora de sucateamento. Na Advocacia-Geral da União (AGU) – onde o salário saltou de R$ 4,2 mil em 2002 para R$ 16,5 mil neste ano – agora falta até gasolina para transportar procuradores de uma audiência para outra.
Os procuradores federais reclamam que os salários praticados são inferiores aos de outras funções semelhantes – procuradores de Estados, da República, juízes e promotores que começam a carreira ganhando cerca de R$ 22 mil. “Tudo isso gera uma evasão muito grande na carreira. Quem perde é o Estado que deixa de ser defendido por pessoas experientes em uma instituição que trata de processos bilionários, de ampla repercussão”, disse o presidente da Associação Nacional dos Advogados da União (Anauni), Rommel Macedo.
Apesar do significativo crescimento nominal, nos últimos anos, os gastos com a folha do governo estão estáveis em pouco mais de 4% do Produto Interno Bruto (PIB). O atual governo vê essa estabilidade como positiva e não pretende fazer esforços para reduzir a proporção.
“O problema do gasto com pessoal é que ele ocupa espaço muito grande no orçamento e impede que outros gastos cresçam”, diz o economista da Tendências Felipe Salto. “Na hora de fazer o ajuste quem acaba pagando a conta é o investimento, e há uma composição ruim do gasto público”, acrescenta. Ele sugere a inclusão na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) de uma trava ao crescimento da despesa à metade do crescimento do PIB do ano anterior, como forma de diminuir a fatia dessa despesa no orçamento.
“Se isso não for feito, a tendência é que o gasto com pessoal cresça em proporção do PIB porque teremos crescimentos menores nos próximos anos”, conclui Salto.
//Fonte: Força Sindical