O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) vive, desde a quinta-feira passada, uma das maiores crises de sua história. Embora tenha sido detonado pelo pedido de exoneração de duas diretoras e pela carta em que 18 coordenadores e gerentes de pesquisa do instituto tornaram pública sua discordância com as mudanças no cronograma e na metodologia da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua, o conflito entre a presidência e o corpo técnico tem crescido ao longo dos últimos meses e dá forma a um problema antigo do IBGE. Nos últimos anos, o órgão tem enfrentado forte contingenciamento de verbas federais (só em 2014 chegou a 14%), redução do quadro efetivo, aumento das contratações temporárias e dificuldade em reter talentos (pelos salários inferiores aos de demais órgãos públicos).
O número de funcionários efetivos na ativa do IBGE diminuiu 19% desde 2006, chegando a 6.131 em 2013. A perda foi de mais de 1,4 mil funcionários e aconteceu apesar do ingresso de 1,2 mil empregados por concurso no mesmo período. Essa contração ajuda a explicar, junto com o contingenciamento de despesas do governo federal e o desenvolvimento de novos indicadores, as dificuldades da instituição em cumprir prazos de pesquisas de campo, como a Contagem da População, a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) e também a decisão de suspender a divulgação e rever a metodologia da Pnad Contínua.
A crise detonada na semana passada também envolve falta de pessoal. Ela foi um dos argumentos da direção do IBGE para justificar a impossibilidade de ajustar as mudanças exigidas na Pnad Contínua (em função de um ajuste de cronograma) com o envolvimento da equipe na divulgação da mesma. A decisão foi tomada pela direção, sem consulta ao corpo técnico, e motivou a entrega do cargo de duas diretoras (Marcia Quintslr, de Pesquisas, e Denise Britz do Nascimento Silva, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas-Ence) e a carta dos coordenadores e gerentes, em que pedem que a direção reveja a posição tomada, ouvindo a área técnica, “sem o quê, o corpo gerencial entende ser insustentável a permanência no exercício dos seus cargos.” A carta é assinada por 18 funcionários em cargo e chefia.
Na sexta-feira, a reunião sobre o tema terminou sem acordo.
Para economistas que acompanham o trabalho do IBGE há anos, os problemas crescentes da instituição com aposentadorias e redução de verbas federais não têm comprometido a qualidade do seu trabalho quanto à correção das informações. Os problemas apontados são a falta de agilidade na atualização dos indicadores e o excesso de funcionários (70% do total) perto da aposentadoria.
A redução do total de concursados – os que trabalham na formulação das pesquisas, no desenvolvimento de suas respectivas metodologias e na agregação dos dados – está diretamente relacionada ao aumento do número de aposentados. Desde 2006, foram mais 1.091 funcionários nessa situação. No ano passado, pela primeira vez, o número de aposentados do IBGE superou o de efetivos na ativa – 6.142 aposentados e 6.131 efetivos, segundo o Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento. E de dezembro do ano passado até fevereiro, mais 227 “ibegeanos” se aposentaram.
Além das aposentadorias, o contingenciamento de verbas federais tem afetado o IBGE. Em 2009, os gastos do IBGE representaram 48% das despesas totais de R$ 2,99 bilhões do Ministério do Planejamento, percentual que caiu para 41% em 2013.
Outra dificuldade do IBGE está na retenção de talentos, em parte porque o salário na instituição é muito inferior ao de outros órgãos públicos. O salário inicial de curso superior (sem titulação) é de R$ 7,2 mil no IBGE, e de R$ 10,8 mil no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), diferença de 32%.
Uma das opções do IBGE para suprir a falta de efetivos têm sido a contratação de temporários. Somado esse contingente, o total de funcionários da instituição sobe 6,2% entre 2006 e 2013, para 10.144 servidores, segundo informou em nota o Ministério do Planejamento em resposta aos questionamentos da reportagem.
O quadro dá a dimensão dos principais desafios pelos quais passa o órgão que historicamente lida com restrições orçamentárias e baixos salários, mas que enfrenta um recrudescimento desse cenário. “Na minha época, o problema era uma instabilidade muito grande quanto à previsibilidade da liberação dos recursos. O orçamento aprovava, mas quando se chegava no momento de executar o trabalho, não se sabia se o recurso seria liberado ou não, o que gerava situações complicadas. Me lembro da contagem populacional de 1995 ou 1996, uma operação enorme, mas três meses antes não se sabia se poderia fazer ou não porque o dinheiro não estava liberado”, conta Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE entre 1994 e 1999.
Para ele, a percepção é que a situação orçamentária do IBGE melhorou nos anos mais recentes – o Censo de 2010, diz, não encontrou limitação de recursos. O que não impede o instituto de escapar de possíveis atrasos em outras pesquisas. “O governo, em situação de aperto, tem que cortar, e o IBGE, como é uma repartição subordinada ao ministério, pode não ser poupado. Se tivesse uma estrutura mais independente poderia ter um planejamento financeiro plurianual, com uma previsão mais estável de recursos”.
Pesquisadores do instituto, ouvidos pelo Valor, dizem que existe uma questão gerencial potencializando a menor disponibilidade de recursos e o crescente número de aposentadorias. “O ambiente de insatisfação é grande. O IBGE já passou, ao longo dos anos, por vários problemas internos, já ocorreram outras divergências entre corpo técnico e direção. O fato da carta [dos coordenadores e gerentes] ter se tornado pública é um sinal da gravidade da situação e da insatisfação atual”, relata um funcionário ativo da instituição.
Um exemplo do atual comportamento da direção, segundo funcionários, foi o fato do quadro técnico da Pnad Contínua só ter sido informado das mudanças no cronograma e de metodologia pela coletiva de imprensa dada pela presidente. “Isso nunca existiu”, ponderou outro pesquisador.
Fonte: Força Sindical