O orçamento de saúde para 2019 sequer repõe a inflação de 2018. O quadro pode se agravar diante de eventual contingenciamento de recursos
Com a recente sanção da Lei Orçamentária (LOA) de 2019, cabe indagar: como ficará o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) no primeiro ano do mandato de Jair Bolsonaro?
O orçamento de ações e serviços públicos de saúde – ASPS terá dotação de R$ 120,4 bilhões, crescimento nominal de apenas 2,5% em relação aos valores empenhados de 2018. Excluídas as emendas impositivas (cuja destinação depende da relação entre o parlamentar e suas bases políticas), a variação é de apenas 1,2%, abaixo da inflação de 3,75% (IPCA). Isto é, o orçamento de saúde para 2019 sequer repõe a inflação de 2018. O quadro pode se agravar diante de eventual contingenciamento de recursos, sobretudo levando em conta a possibilidade de o governo perseguir um resultado primário mais restritivo.
O decréscimo real é consequência das regras fiscais vigentes, especialmente a Emenda Constitucional nº 95/2016, que afeta duplamente a saúde. Primeiro, as dotações globais, para cada Poder e órgão autônomo, não podem crescer acima da inflação registrada entre julho de 2017 e junho de 2018 (4,39%). Portanto, acréscimos de orçamento destinados à saúde deverão ser compensados com reduções em outras áreas, tendo em vista que a despesa já está programada no teto.
Se tomado o orçamento de 2018, percebe-se que as dotações finais de ASPS (fora emendas impositivas) sofreram decréscimo de quase R$ 1 bilhão em relação ao orçamento inicialmente aprovado. Significa dizer que não apenas a saúde fica limitada pelo teto global de despesas como, na prática, perde orçamento para suplementação em outras áreas (por exemplo, recursos de programas como Mais Médicos e Farmácia Popular foram remanejados para estabelecer o subsídio ao diesel[1]).
Outro impacto da EC 95 sobre a saúde se refere ao congelamento do piso de aplicação. A emenda dispôs que o valor mínimo obrigatório para ASPS equivale a 15% da Receita Corrente Líquida – RCL de 2017, acrescidos da inflação. Com a nova regra, o piso para 2019 é de R$ 117,3 bilhões. Caso não vigorasse o piso da EC 95, o valor mínimo seria de R$ 127 bilhões (15% da RCL estimada para 2019), R$ 6,6 bilhões acima dos valores previstos para 2019. É este o montante da perda para o SUS em 2019, consequência direta do congelamento do piso para o setor[2].
Além disso, do orçamento de R$ 120,4 bilhões, R$ 7 bilhões são emendas impositivas que, conforme destacado, dependem das relações políticas entre parlamentares e suas bases eleitorais. Portanto, deveriam constituir um recurso adicional àqueles regularmente contabilizados para efeito de cumprimento do piso, apesar de a Emenda Constitucional nº 86/2015 dispor em contrário. Se não consideradas essas emendas, os recursos ASPS seriam de R$ 113 bilhões, aquém do piso.
Quando se analisa a evolução dos valores efetivamente pagos em cada exercício, o quadro se torna mais crítico. Entre 2017 e 2018, os valores pagos de emendas ASPS cresceram 104%, alcançando R$ 6,8 bilhões. Do total do orçamento ASPS empenhado em 2018 (R$ 117,5 bilhões), R$ 11,7 bilhões não foram pagos (não se converteram, por exemplo, em recursos transferidos aos entes para apoiar os serviços de saúde), dos quais apenas R$ 1 bilhão é referente a emendas impositivas. Significa dizer que não apenas o orçamento ASPS para 2019 decrescerá em termos reais, mas também haverá um passivo adicional dos valores empenhados e não pagos em 2018, afetando ainda mais a disponibilidade financeira no presente exercício.
Conforme demonstrado, o terceiro ano do Novo Regime Fiscal impactará negativamente o financiamento do SUS e desmonta o argumento de que o teto de gasto induziria a priorização de setores estratégicos. A lógica orçamentária não se exaure numa técnica de otimização da alocação frente a necessidades dadas. Diante do conflito distributivo intensificado, é preciso observar como se distribui a capacidade de controlar a destinação dos recursos orçamentários.
// Fonte: Carta Capital