Dados da Pnad, apurados pelo jornal Folha SP, mostram que entre os formais, vaga de menor qualificação leva salário de admissão a mínima em dez meses
A cada 10 brasileiros que estavam trabalhando no terceiro trimestre deste ano, cerca de 4 atuavam na informalidade, apontam os dados da mais recente Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Entre junho e setembro, o país registrou 92,6 milhões de pessoas ocupadas.
Dessas, quase 43%, ou 39,7 milhões de pessoas, não tinham carteira assinada, somando empregados do setor privado e público sem registro, trabalhadores por conta própria sem CNPJ, trabalhadores doméstico sem carteira e quem trabalha em família.
Esse é o maior percentual trimestral registrado pela Pnad desde que o levantamento começou a separar os conta própria com e sem CNPJ, no fim de 2015.
No terceiro trimestre deste ano, a taxa de desemprego no país ficou em 11,9%, 0,5 ponto percentual abaixo da registrada no mesmo período do ano passado.
O alívio veio com o avanço de 1,5% na população ocupada, resultado da entrada de 1,3 milhão de pessoas no mercado de trabalho —especialmente na informalidade.
Thiago Xavier, analista da consultoria Tendências, observa que, desse contingente, 601 mil trabalhavam no setor privado sem carteira assinada e outros 585 mil atuavam por conta própria —sendo 236 mil sem registro.
“A rota de entrada é a informalidade porque, na comparação anual, o trabalho com carteira [no setor privado] ainda registrou perda de 328 mil pessoas”, afirma.
Desempregada há sete meses, Cássia Lins Barbosa Vila Real, 31, tem se virado com trabalhos por conta própria de maquiadora para pagar as contas. Ela afirma que o seu rendimento caiu 30% desde que foi demitida, em abril.
Ela tem conseguido conciliar os trabalhos eventuais com a educação do filho, de uma ano e três meses, mas procura uma oportunidade de voltar para o mercado formal.
“Se eu achar algo por meio período, melhor ainda. Só trabalhando por conta própria a renda é muito baixa”, diz.
Essa não foi a primeira vez que Cássia teve que se reinventar.
Antes de entrar no mercado de beleza, ela trabalhou oito anos na gigante IBM, na parte de atendimento e também com vendas.
Em 2014, a empresa fez cortes e, até ela se recolocar, dessa vez na nova profissão, foram dois anos sem trabalho.
Segundo a maquiadora, além da falta de carteira assinada, os custos do trabalho por conta própria são o que mais dificulta a renda.
“Bancar produtos e transporte e não ter o trabalho valorizado, com o pessoal sempre querendo pagar menos, desmotiva, mas vou nessa até conseguir algo formal”, afirma ela, que cobra R$ 150 por cada maquiagem feita.
Não é só a renda do informal que não avança. O rendimento médio real habitualmente recebido pelos ocupados (R$ 2.222) e a massa salarial (R$ 200,7 bilhões) —soma dos os rendimentos brutos recebidos em todos os trabalhados pelos ocupados— mantiveram-se estáveis no terceiro trimestre, afirma Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE.
“Isso demonstra que as vagas que foram criadas são de baixo impacto salarial”, diz.
O fenômeno monetário também pode ser observado no Caged (Cadastro de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho), que capta os números do mercado formal brasileiro.
Em setembro, o saldo de vagas foi o melhor para o mês em cinco anos, com 137.336 postos positivos entre admitidos e desligados.
Apesar disso, a média de salário para os trabalhadores admitidos foi a menor dos últimos dez meses: R$ 1.516,89.
Segundo Clemente Granz Lucio, diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), há várias possíveis causas para o fenômeno: o acumulado da inflação, a alta rotatividade do mercado, o perfil das vagas que estão contratando –que são mais operacionais no setor de serviços– e a precarização da mão de obra, com alto número de informais.
“O repique da inflação influencia nos salários de admissão. E as funções que mais contratam, que são do setor de serviços, oferecem até 1,5 salário mínimo [R$ 1.431]. Tudo isso ajuda a puxar o salário médio para baixo.”
O setor de serviços, mencionado por Lucio, foi responsável por 44,3% das contratações em setembro, fechando com um saldo de 60.961 no período, segundo o Caged.
Maria Andréia Lameiras, técnica de planejamento e pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), diz que a queda no salário médio de entrada não é necessariamente ruim.
“Um salário alto não significa que o mercado está bombando. Às vezes, ele está muito alto porque tem só um setor que paga mais contratando”, afirma.
Segundo ela, o dado do Caged é positivo porque demonstra que o mercado está trazendo de volta uma população com qualificação mais baixa, que já estava havia muito tempo desempregada.
Os especialistas afirmam que um caminho possível seria que, após retornar ao mercado pela informalidade, o trabalhador migrasse para um emprego com carteira.
Foi o caso do motorista Nivaldo Constantino, 46, que voltou à formalidade após um período sem carteira.
Ele perdeu o emprego como motorista de uma empresa em junho deste ano e passou a utilizar sua moto para fazer entregas.
No mês passado, a mesma empresa que o demitiu ofereceu um novo emprego, dessa vez como motorista de motocicleta.
“A necessidade me abriu uma nova área de trabalho, e a partir disso pude voltar. Estou feliz, com carteira assinada e recebendo praticamente a mesma coisa que antes”, diz Nivaldo.
Há ainda quem tenha feito do trabalho por conta própria uma nova profissão.
O mestre de obras autônomo Marcelo de Almeida, 41, foi exonerado da Polícia Militar de São Paulo há cinco anos e viu na necessidade a oportunidade para iniciar uma nova carreira.
Ele afirma que desde os 13 anos trabalhava com construção. Deixou as obras para entrar na polícia e, depois de 16 anos, precisou voltar.
“Comecei a pegar algumas obras e estou nessa há cinco anos. Não penso em trabalhar com outra coisa.”
Apesar de ter tanto tempo trabalhando como autônomo, Almeida não pretende abrir uma empresa por causa dos altos custos e da burocracia.
“Tenho um contador, pago direitinho o pessoal que trabalha pra mim, mas não tenho como ter uma empresa e assinar carteira. A condição que tenho hoje está boa”, diz.
// Fonte: Força Sindical